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AVALIAÇÃO

BYD Shark é um carro quase perfeito, mas entrou no segmento errado

Com tecnologia de ponta e potência de sobra, a BYD Shark chega para desafiar o reinado das picapes a diesel

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BYD Shark na cor preto metálico estático
BYD Shark na cor preto metálico estático Foto: Luiz Forelli/Vrum

Moda vai, moda vem. Aqui no Brasil, já tivemos a febre das peruas, dos hatches e, agora, dos SUVs. Os carros eletrificados também vem ganhando o coração dos brasileiros. Mas tem uma coisa que nunca entrou na dança das tendências são as picapes híbridas. A BYD pensa ao contrário e aposta alto na Shark, picape média que chegou em outubro de 2024 no Brasil por R$ 379.800. 

Preço esse que a coloca no topo da tabela, mais cara até que a Toyota Hilux GR Sport. Mas não é só o valor que chama atenção. Ela chega com o título de picape média mais potente à venda por aqui, com tecnologia de sobra. Mas será que a Shark tem o que precisa para convencer um público tão fiel ao diesel, ou é apenas um brinquedo novo para quem quer sair da curva? 

O mercado automotivo brasileiro tem suas paixões, e as picapes médias são uma delas, especialmente em regiões como Goiás, onde o agronegócio pulsa. No lançamento da Shark, a BYD escolheu Goiânia para apresentar o modelo, capital de um estado marcado pela cultura das caminhonetes. 

BYD Shark na cor preto metálico estático
BYD Shark na cor preto metálico estático Foto: Luiz Forelli/Vrum

Contudo, o desafio é grande. A Toyota Hilux reina absoluta desde 2021, detendo mais de 30% do mercado de picapes médias em 2025, segundo dados da Fenabrave. A Hilux não lidera à toa. Ela não tem o motor mais potente, a maior caçamba ou a tecnologia mais avançada, mas ela conquista a confiança do consumidor pela sua reputação, sustentada por uma rede ampla de concessionárias, revisões acessíveis e uma manutenção descomplicada, fatores decisivos para quem depende da picape no dia a dia. 

MOTORIZAÇÃO E COMO ANDA

Equipada com um motor 1.5 turbo a gasolina e dois motores elétricos — um em cada eixo —, a Shark entrega 437 cv de potência combinada e 65 kgfm de torque, alimentados por uma bateria Blade (fosfato de ferro-lítio) de 29,6 kWh. Isso a torna a picape mais potente do mercado, superando até a Ram 1500 de 426 cv. O motor a combustão sozinho de injeção direta tem 183 cv e 26,5 kgfm, que funciona especialmente para carregar as baterias e ajudar na entrega de potência em momentos mais exigentes.

BYD Shark
BYD Shark Foto: Luiz Forelli/Vrum

Na prática, a Shark mostrou agilidade fora do normal para seus 2.710 kg. Acelera de 0 a 100 km/h em 5,7 segundos, segundo a marca,  porém foi mais rápido conosco: 5,5 segundos. Tudo isso graças ao torque instantâneo dos motores elétricos. Na estrada, as ultrapassagens são feitas com facilidade, sem nenhum esforço, mas com a bateria mais baixa é nítida a falta de eficácia, mas não que seja ruim, todavia o motor invade mais a cabine e é preciso pisar mais forte no acelerador para entregar mais potência. 

Em velocidades de cruzeiro, a BYD Shark mostrou ter um conforto de um SUV. A picape roda estável, sem chacoalhar ou vibrar, mesmo com a caçamba vazia, o que transmite firmeza na estrada. Não há oscilações, e a sensação é de um veículo bem plantado, longe de parecer frouxo. A direção elétrica é bem precisa para uma picape média, com respostas rápidas que permitem apontar a Shark com confiança.

Nas curvas, a Shark se comporta com segurança. A inclinação da carroceria, comum em picapes médias, aparece, mas sem comprometer a trajetória, mesmo em curvas mais fechadas. A tração integral sob demanda atua com competência. A suspensão dianteira e traseira, com braços sobrepostos, um sistema independente que usa duplos braços triangulares, mostra que o objetivo da picape é transmitir mais conforto do que carga.

E isso é muito bem propagado na cidade, tendo a suspensão como um dos pontos altos. Ao abrir mão do eixo rígido traseiro, típico de picapes médias, a BYD Shark aborda uma rodagem suave, quase ao nível de SUVs premium, com excelente absorção de buracos e irregularidades. O curso longo da suspensão reforça a maciez, mas a traseira pode trepidar em pisos muito ruins, especialmente se a caçamba estiver vazia. 

BYD Shark na cor preto metálico estático
BYD Shark na cor preto metálico estático Foto: Luiz Forelli/Vrum

BYD Shark na cor preto metálico estático
BYD Shark na cor preto metálico estático Foto: Luiz Forelli/Vrum

Na cidade, os motores elétricos entregam acelerações ágeis, e o câmbio automático de uma marcha, com engrenagem epicicloidal, se mostra bem. A direção, bem calibrada, tem peso na medida certa, sem ser dura ou leve demais.

No off-road, a Shark também não decepciona. Em estradas de terra seca, com subidas íngremes, a tração integral distribuiu força com aptidão, e a picape enfrentou o terreno com desenvoltura, isso sem ter carga na caçamba. Embora não tenhamos testado em condições extremas de barro, o desempenho foi convincente, com respostas rápidas e vigorosas. 

A picape oferece três modos de condução (Eco, Normal e Sport) e três modos de terreno (Lama, Areia e Neve), que podem ser ajustados na parte inferior do volante. São esses modos que mudam a entrega de potência, sensibilidade do pedal, e claro, a entrega de força das baterias. E realmente eles fazem a diferença. 

Há ainda o modo HEV (híbrido), em que o motor a combustão trabalha mais em conjunto com o elétrico — sempre priorizando mais o elétrico na cidade — e o modo EV (100% elétrico), que deixará as baterias quase sempre ligadas. Com a bateria mais vazia, em torno de 24%, não é possível ativar esse modo. 

CONSUMO

Na cidade com o modo híbrido chegamos aos 17,8 km/l, porém esse número pode alternar bastante dependendo de quanto o elétrico estiver entrando em ação. Com o motor a combustão funcionando a maioria do tempo, fizemos 7,3 km/l. Já na estrada, o consumo híbrido foi bem abaixo, já que o motor a combustão fica em ação na maior parte do tempo para preservar as baterias, fazendo 8,4 km/l. 

Já a autonomia elétrica em nossos testes deu cerca de 70 km, melhor, como esperado, dos 57 km, divulgados pelo Inmetro. Falando nele, o consumo da BYD Shark no modo híbrido é de 24,6 km/l na cidade e 19,9 km/l na estrada, enquanto só com o motor a combustão trabalhando, com a bateria totalmente descarregada, a picape faz 9,5 km/l na cidade e 7,7 km/l na estrada. 

A  BYD diz que com a bateria e o tanque cheio a autonomia é de 840 km, pelo ciclo NEDC, isso com tanque bem inferior aos rivais (média de 80 litros), somente 57 litros.

Assim como outros carros híbridos, na Shark é possível recarregar a bateria somente com motor a combustão, mexendo nas configurações de bateria pela central multimídia. Assim, é possível recarregar bateria de 20% a 70% . Porém, além da bateria ser muito grande, ela demora para carregar e o motor a combustão fica ligado quase o todo tempo, consumindo muito mais combustível.  

Rodamos 15 km no modo híbrido, saindo com a bateria a 30% e autonomia de 450 km. Ao voltar, a bateria subiu para 35%, mas a autonomia caiu 30 km, de 450 km para 420 km, ou seja, o dobro do que rodamos devido ao gasto de gasolina para carregar todo o peso da picape. 

Isso mostra que o motor a combustão recarregou a bateria enquanto gastava gasolina a 10 km/litro. Já no modo elétrico puro, percorremos 13 km, e a bateria caiu de 34% para 27%, um gasto de 0,54% por km, bem mais eficiente.

Nessas medições, o modo elétrico é 76% mais barato que o motor a combustão atuando (76% mais econômico), considerando gasolina a R$ 6,43/litro e eletricidade a R$ 0,95/kWh. Ou seja, ficar regulando a bateria pelo multimídia não vale a pena, e sim só quem precisa de mais potência. No modo automático (Auto), o carro tende a priorizar o elétrico e usar a combustão só quando necessário para carregar as baterias de 29,6 kWh.

DIMENSÕES E ERGONOMIA 

A BYD Shark é grande e robusta, mas mostra pelos números ser muito mais uma picape voltada para o conforto do que para o trabalho pesado. Com 5,45 metros de comprimento, 1,97 m de largura, 1,92 m de altura e 3,26 m de entre-eixos, ela tem porte de picape média, similar à Chevrolet S10 (5,36 m) ou Toyota Hilux (5,32 m). 

BYD Shark
BYD Shark Foto: Luiz Forelli/Vrum

A caçamba, porém, entrega bons 1.200 litros de capacidade. porém pouco para carga útil, somente 790 kg, números abaixo de concorrentes como a Ford Ranger (1.023 kg, 1.250 l), Toyota Hilux (1.000 kg. 1000 l) ou Chevrolet S10  (1.076 kg, 1.061 l). Fica mais próxima da Fiat Strada, que carrega 720 kg e 1.354 litros. Ou seja, mostra que a Shark prioriza o luxo e a suavidade em vez de ser uma picape de carga bruta. A grande vantagem interessante aqui é que a Shark oferece uma escada para facilitar a subida na caçamba. 

No interior, a ergonomia da Shark é muito bem trabalhada e até para pessoas grandes como eu (1,88 metros). Os bancos abraçam o corpo e são extremamente confortáveis, com ajustes elétricos que ajudam a encontrar a posição certa em segundos. A regulagem de altura do banco é ampla, e o volante, com ajuste de altura e profundidade, tem boa extensão. 

BYD Shark na cor preto metálico estático
BYD Shark na cor preto metálico estático Foto: Luiz Forelli/Vrum

A pegada do volante é firme, com peso equilibrado – nem leve demais na cidade, nem pesado na estrada. O console central alto, com tecido macio na base, dá apoio às pernas sem incomodar, o que mostra os cuidados nos detalhes.

O espaço traseiro também tem destaque para as pernas, que mesmo com o banco dianteiro todo regulado para trás, sobra um dedo de espaço entre o joelho e o banco. Além de conter saídas de ventilação, uma saída USB-C e outra USB-A, além de uma tomada de 10 amperes. 

INTERIOR E EQUIPAMENTOS 

O acabamento da Shark também é muito bem trabalhado e refinado, com nível de cuidado que coloca a picape entre os modelos mais refinados da marca. O painel usa material soft-touch no tabelier, e as portas seguem o mesmo padrão, com tecido acolchoado em quase toda a superfície. Plástico aparente só nas áreas inferiores, como a base com alto-falantes e porta-copos, mas mesmo ali a qualidade é alta, sem rebarbas ou saliências. 

BYD Shark interior
BYD Shark interior Foto: Luiz Forelli/Vrum

BYD Shark interior
BYD Shark interior Foto: Luiz Forelli/Vrum

Os apoios de braço nas portas e o console central são impecáveis, com acolchoamento macio. Todo o painel revestido em tecido transmite sofisticação, e os detalhes, como costuras precisas, mostram capricho. Comparado a outros BYD, como o Song Plus, a Shark parece ter o interior mais bem trabalhado, com uma pegada de luxo que surpreende.

A tecnologia embarcada mantém o padrão elevado. O quadro de instrumentos digital de 10,25 polegadas é simples, mas entrega o essencial. A central multimídia giratória de 12,8 polegadas, que poderia ser maior como a de outros modelos da marca (15,6 polegadas), é rápida e intuitiva, sem travamentos. Compatível com Apple CarPlay e Android Auto sem fio, ela inclui GPS nativo, Spotify integrado, roteador Wi-Fi e suporte a outros apps. 

Um head-up display projeta informações no para-brisa, e o veículo pode ser controlado por aplicativo, com funções como travas, climatização e localização. 

Em equipamentos, a Shark não economiza. Traz ar-condicionado digital de duas zonas com purificador, banco do motorista com ventilação e aquecimento, além do ajuste elétrico, direção elétrica e freio de estacionamento eletrônico com auto-hold. Há ainda chave presencial, faróis full-LED com acendimento automático e farol alto automático, vidros e retrovisores elétricos, carregador por indução e controle automático de descida. 

O pacote de segurança é outro ponto forte, com seis airbags, ABS, controle de tração e estabilidade, câmera 360°, sensores de estacionamento dianteiro e traseiro, alerta de colisão frontal com frenagem autônoma, alerta de tráfego cruzado traseiro, alerta de ponto cego. 

O controle de cruzeiro adaptativo com stop-and-go funciona bem em engarrafamentos, mantendo o carro centralizado nas faixas mesmo em baixas velocidades, sem frenagens bruscas. O assistente de permanência e centralização de faixa é preciso e opera de forma suave em qualquer velocidade, mesmo nas mais baixas.

RESUMO DA ÓPERA 

A BYD Shark é uma picape que mostra seu conforto, potência, espaço e tecnologia. Para quem busca uma picape com jeitão de SUV premium, a Shark é uma escolha diferenciada e leva o nome de ser a primeira picape média híbrida. O problema é que a Shark entra no segmento errado. 

Picapes médias, como Toyota Hilux, Ford Ranger e Chevrolet S10, dominam o mercado brasileiro pela robustez, grande rede de concessionárias e manutenção acessível. O consumidor de picape média raiz mesmo não liga para um multimídia grande, assistência à condução ou acabamento premium. Ele precisa de carga, robustez, confiança e preço na mão na hora da manutenção. 

Só por uma comparação, até injusta pelo tanto de versão e público que a Hilux tem, ela vende em média de 4 mil picapes por mês, enquanto a Shark fica em torno de 100 unidades mensais desde o lançamento até março. Ela não compete com a JAC Hunter (19 unidades/mês), mas não ameaça nem a Frontier, que é a picape média menos vendida, exceto a Shark e Hunter. 

A Shark é um SUV disfarçado de picape, e, para esse nicho, cumpre o papel com louvor, mas 'erra' por ser uma picape média, além de ser a mais cara do segmento, exceto a Ranger Raptor (R$ 490 mil) que é de outro nicho. 

Ficha técnica: BYD Shark GS

Motor

Diant., longit. 4 cil. em linha, 1.5 turbo (183 cv e 26,5 kgfm de torque) a gasolina, 16V de injeção direta, mais dois motores elétricos, um em cada eixo

Potência motores elétricos

231 cv (diant.) e 204 cv (tras.)

Potência combinada

437 cv

Torque combinado

65 kgfm

Câmbio

Automático, 1 marcha

Bateria

29,6 kWh

Autonomia (Inmetro)

57 km

Recarga máx.

6,6 kW (AC) e 55 kW (DC)

Direção

Elétrica

Suspensão

Braços duplos sobrepostos (diant. e tras.)

Pneus

265/65 R18

Freios

Discos ventilados (diant. e tras.)

Dimensões


Comprimento

5,45 m

Altura

1,92 m

Largura

1,97 m

Entre-eixos

3,26 m

Peso 

2.710 kg

Caçamba

1.200 litros

Capacidade de carga

790 kg

Capacidade de reboque

2.500 kg