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DPVAT: Revelei fraude da Líder e fui parar no banco dos réus

A seguradora que fazia a gestão do dinheiro arrecadado pelo Seguro DPVAT foi afastada da função por cometer falhas administrativas e fraudes, de acordo com o Ministério Público, mas agora me acusa por difamação

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Cobrança do Seguro DPVAT vai voltar, mas valor exato ainda não foi definido
Cobrança do Seguro DPVAT vai voltar, mas valor exato ainda não foi definido Foto: Detran ES

Em dezembro de 2023, passei realmente a acreditar em Papai Noel. Fui avisado que ele estaria chegando e mandei até limpar a chaminé. Mas o “Bom Velhinho” apareceu na porta de casa fantasiado de Oficial de Justiça, trazendo de presente um mandado de intimação do juiz de direito do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, para uma audiência pública do processo de queixa-crime movido contra mim pela Seguradora Líder do Seguro DPVAT.

Sou acusado de ter praticado o crime de difamação contra a empresa, maculado sua honra, por ter manifestado juízo de valor ilegítimo, sem fundamentos e causado prejuízo à reputação de seu bom nome. Na acusação, os advogados da Seguradora Líder ressaltam que a empresa “sempre se posicionou de maneira firme e transparente a respeito do exercício de suas atividades econômicas e da própria gestão dos recursos do DPVAT, jamais tendo sido conivente com a prática de quaisquer atos ilegais ou omissa em relação à sua apuração”.

A pergunta então é: por que a Susep afastou a Líder da gestão do DPVAT e ainda transferiu os bilhões de reais de seu saldo para a Caixa Econômica Federal? A resposta dos advogados no processo é, no mínimo, curiosa: “Por questões administrativas e de natureza política”.

Talvez a Líder não os tenha informado ter assumido uma confissão de culpa em 2019 ao assinar um TAC, Termo de Ajustamento de Conduta a partir de uma ação do Ministério Público de Minas Gerais contra ela para coibir fraudes. O valor inicial era de R$ 254 milhões, que seriam investidos em cidades onde ocorreram as fraudes do DPVAT, de acordo com a operação Tempo de Despertar.

Mas, em um acordo nebuloso, a Líder acabou pagando ao governo do Estado de Minas Gerais apenas R$ 87 milhões, sem prejuízo das responsabilidades criminais nos inquéritos judicias em andamento. A empresa que me processa assinou o termo na presença do procurador geral da Justiça, Antônio Sérgio Tabet, e do governador do Estado, Romeu Zema, entre outras autoridades.

Talvez minhas matérias sejam – ao contrário do que dizem seus advogados – bem fundamentadas, pois me inteirei desta operação Tempo de Despertar, realizada a partir de 2015, pelo delegado da Policia Federal, atualmente deputado federal, Marcelo Freitas, juntamente com Paulo Márcio, promotor do Ministério Publico de Minas Gerais.

A operação apurou todas as atividades ilegais da Seguradora Líder e nominou todos os diretores responsáveis por elas. E para não restar dúvidas, entrevistei, em janeiro de 2020, na rádio 98 FM, de Belo Horizonte, juntamente com o jornalista Paulo Leite, responsáveis pela operação Tempo de Despertar, os promotores do Ministério Público de Minas Gerais Paulo Márcio e Bruno Muller, além do juiz de direito de Montes Claros, Danilo Campos.

Todos apontaram, detalhadamente, as falhas administrativas e o modus operandi das fraudes cometidas pela Seguradora Líder. Talvez os advogados da Líder não tenham também conhecimento de que a Superintendência de Seguros Privados (Susep) notificou sua cliente, em 2020, e exigiu a devolução da nada irrisória quantia de R$ 2,257 bilhões ao caixa dos recursos de seguros DPVAT. Por que? Pelas despesas irregulares cometidas de 2008 a 2020, por falta de cotações de preços, de documentos fiscais comprovantes de pagamentos em contratos de prestações de serviços.

Também pelas irregularidades em doações e patrocínios, pagamentos de multas, festas de fim de ano, e operações com firmas vinculadas a parentes de executivos da Líder, de pagamento de sobrepreços e duplicidades de pagamentos. Os advogados da Líder alegaram falta de fundamentos nas minhas acusações na ação de queixa-crime contra mim, talvez porque não tivessem conhecimento de que o Tribunal de Contas da União (TCU) tenha realizado uma auditoria na Susep e na Líder por solicitação do Congresso Nacional.

Sabe o que apurou? Graves irregularidades na gestão de recursos, falta de transparência nas operações do DPVAT, política de preços e lucros superiores às margens fixadas, favorecimentos indevidos de membros da alta administração da Líder e negócios favorecendo pessoas politicamente expostas.

Sabem quem foi o relator do processo? O ministro do TCU, Antônio Anastasia, ex-governador de Minas. Minha gente, o resumo da ópera é de que, por enquanto, e por incrível que pareça, rola na Justiça um processo em que a Seguradora Líder é vítima e eu, criminoso. Bom 2024 para todos.

Num acordo conciliatório com a Seguradora Líder DPVAT, tendo em vista a queixa-crime movida contra o jornalista Boris Feldman, este concordou em publicar a declaração a seguir, em que isenta a empresa, como pessoa jurídica, das acusações imputadas aos executivos (pessoas físicas) que não mais pertencem ao seu quadro de administradores, os verdadeiros responsáveis pelas ações investigadas pelo MP e PF de MG.

“Eu, Boris Feldman (...), nos autos da queixa-crime no 5003603-7.2023.8.13.0090, ressalvado meu entendimento pessoal a respeito das pessoas físicas que não mais atuam na companhia, venho oferecer retratação formal, de caráter irrevogável e irretratável, em favor da pessoa jurídica SEGURADORA LÍDER (...) em razão da divulgação de informações em conteúdos jornalísticos de minha autoria em que constam imputações à pessoa jurídica incorretamente, na medida em que não foi feita a necessária distinção entre a conduta da empresa e de pessoas físicas que atualmente não fazem mais parte do seu quadro de administradores e colaboradores.

Após melhor análise dos eventos, reconheço que, embora minha atuação como jornalista do setor automobilístico sempre tenha se pautado na liberdade de imprensa e de opinião, não foi observada a distinção entre a pessoa jurídica e as pessoas físicas que a administraram no passado ou nela exerceram cargos de gestão, especialmente no que toca à gestão dos recursos do DPVAT.

Assim, em que pese mantenha minha posição crítica em relação aos temas das matérias jornalísticas relacionadas na presente queixa-crime, admito a incorreção nas atribuições de tais condutas à pessoa jurídica, considerando que a Líder e sua atual gestão não podem ser confundidas com seus antigos gestores que foram afastados de seus cargos por decisão da própria sociedade empresária, e seguem investigados pelas instâncias competentes para afirmação de sua responsabilidade jurídica, sendo a pessoa jurídica também vítima de eventuais condutas que restem comprovadas pelas autoridades competentes.

Esta retratação almeja retificar o conteúdo das mensagens em relação à atribuição de responsabilidades à pessoa jurídica, quando, em realidade, tais juízos de valor devem ser imputados unicamente às pessoas físicas formalmente implicadas ou investigadas no âmbito da Operação Tempo de Despertar, ou procedimentos que dela foram iniciados, levada a efeito pelos órgãos de persecução penal brasileiros.

Portanto, me retrato das palavras e expressões com as quais me referi à Seguradora Líder que lhe soaram ofensivas, tratados na queixa-crime no 5003603-77.2023.8.13.0090. Essa retratação será por mim publicada nos mesmos portais Vrum e AutoPapo, bem como autorizo a Seguradora Líder a utilizá-la em seus comunicados internos, bem como para, eventualmente, responder questionamentos de terceiros sobre os fatos objeto das minhas declarações, que hoje foram retratados.

Em razão do entendimento mantido entre as partes, diante da retratação realizada, a parte querelante desiste de qualquer pretensão relacionada aos fatos tratados nesta queixa-crime. Por outro lado, a parte querelada se compromete a observar em futuras publicações as mesmas distinções afirmadas neste documento”.

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