Os primeiros carros chineses desembarcaram no Brasil há quase 20 anos e fizeram jus à fama de “xing-ling”: produtos de péssima qualidade, que até entortavam o pedal do freio. A Lifan, que vendia aqui uma cópia (desmaiada) do Mini Cooper, quebrou na China. A Geely veio, viu e voltou. Mas as sobreviventes assombraram o mundo com o rápido pulo de qualidade e se destacaram com a eletrificação veicular. O Salão de Pequim (25/4 a 5/5) foi uma demonstração da supremacia mundial dos chineses na tecnologia dos elétricos.
No Brasil, a primeira a implantar fábrica foi a Chery, em 2014. Em Jacareí (SP), onde deu com os burros n’água com modelos defasados, de baixa qualidade e sem assistência técnica. Foi adquirida em 2017 pelo grupo CAOA (importador da Hyundai), que deu uma reviravolta de qualidade, assistência e marketing. Já conquistou a confiança do consumidor brasileiro e se inclui entre os “top ten” em vendas.
Outra chinesa que se recompôs depois de ter um projeto de fábrica na Bahia frustrado por um controverso imposto decretado por Dilma Rousseff foi a JAC, comandada no Brasil pelo empresário Sergio Habib. Abandonou a importação de carros à combustão e tornou-se a única a oferecer exclusivamente veículos elétricos, de automóveis a picapes e caminhões.
Segunda onda
Novas “players” chegaram chegando com duas gigantes chinesas que vieram há dois anos, de mala e cuia: a GWM (Great Wall Motors) e BYD (Build Your Dreams). A primeira comprou a fábrica de automóveis que a Mercedes-Benz fechou em Iracemápolis (SP). A segunda, adquiriu, do governo da Bahia, as instalações da Ford em Camaçari (BA). Ambas já atuando com bem montada rede de concessionárias e infraestrutura de pós vendas.
Em contrapartida, a Seres é uma chinesa que não acreditou no Brasil e não veio: preferiu nomear um importador. Produz SUVs elétricos e está aqui há menos de um ano. Meio capenga, enfrenta dificuldades para nomear concessionários. Como não há sequer previsão de implantar uma fábrica, tem futuro incerto com a decisão do governo de aplicar impostos de importação aos elétricos (isentos até o fim do ano passado), que chegarão a 35% em julho de 2026.
Visto concedido
O sucesso das que já chegaram abriu o apetite de várias outras, de malas prontas para garantir sua fatia do bolo. Uma delas é a Neta, que já tem escritório em São Paulo, diretor-geral contratado (Henrique Sampaio, ex-VW), definidos os primeiros modelos a serem importados e ávida por uma fábrica local. Uma das opções seriam as instalações que a Toyota está desativando em Indaiatuba. Ela já tem três plantas na China e uma na Tailândia.
Outra é a Zeekr (“zicar”), que pertence ao grupo Geely (Volvo, Proton, Lotus) e anunciou desembarque breve no Brasil com ambiciosos olhares no segmento de luxo, mirando Porsche, BMW, Audi e Mercedes-Benz. Mesma estratégia tentada na China, mas que lá, por enquanto, só deu muito trabalho e pouco resultado.
A Chery quer mais no Brasil: além da parceria com a Caoa, anunciou as novas marcas Omoda (luxo) e Jaecoo (off-road), criadas na China no ano passado. Estuda comprar as instalações que ela mesma construiu em Jacareí (SP) e cedeu para a CAOA ao estabelecer sociedade com o grupo, que fechou a fábrica em 2022 e só utiliza hoje sua planta em Anápolis (GO). Pretende iniciar suas operações no segundo semestre deste ano, com 50 concessionárias nomeadas.
A marca MG (Morris Garage) foi fundada na Inglaterra em 1924 e ficou famosa com sedãs e roadsters. Foi adquirida pela chinesa SAIC (que tem parceria com a VW e GM), que acaba de anunciar a intenção de trazer a marca inglesa.
A GAC está entre as cinco maiores marcas chinesas e foi além de confirmar interesse no Brasil: seus representantes já visitaram alguns estados procurando área (e incentivos, porque não?), inclusive o de Amapá. Recebeu recentemente na China o governo de Alagoas que ofereceu vantagens para atrair a empresa.
Freio de arrumação
Se o mercado chinês absorve anualmente mais de 25 milhões de automóveis, o brasileiro não atinge sequer 10% deste volume. O sucesso das chinesas que já desembarcaram incentiva outras a seguirem seu rastro. Mas, somadas as previsões de vendas de todas elas, vai faltar demanda para tanta oferta e o mercado terá de passar por um “freio de arrumação” para acomodar esta invasão asiática.
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