x
UAI
FALA, BORIS!

Lei Seca se esqueceu do sanduiche com suco de uva

Nunca se questionou a tolerância zero ao álcool no Brasil, um dos raros países a adotá-la, até surgir um vilão, o pão de forma

Publicidade
Teste do bafômetro acoplado aos veículos impedirá motoristas de trafegarem sob efeito de álcool
Teste do bafômetro acoplado aos veículos impedirá motoristas de trafegarem sob efeito de álcool Foto: Internet / Reprodução

Não se pode contestar uma legislação que tenha como intuito básico a redução de acidentes de trânsito provocados por alcoolizados ao volante. É a nossa “Lei Seca”, de junho de 2008, que aumentou o rigor deste controle, incluindo o Brasil num restrito bloco de países com tolerância zero para o álcool no sangue do motorista.

Na verdade, o Código de Trânsito de 1996 já limitava o teor alcoólico em 6 decigramas (0,6 g) por litro de sangue. Que corresponde a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar (registrado no bafômetro). Nossa legislação era coerente com a maioria de outros países e permitia, por exemplo, a ingestão de dois copos de cerveja ou uma taça de vinho. Que comprovada e cientificamente não interferem no comportamento do motorista.

E nos outros países?

Nos Estados Unidos, permite-se 0,8g/litro de sangue. Foi além disso? Multa que chega a US$ 4 mil (R$ 20 mil), prisão e suspensão da habilitação. São famosos os pubs da Escócia e mais ainda o seu whisky, mas a tolerância lá é de 5 decigramas por litro de sangue. E chega a 0,8g em outros países do Reino Unido. Na França, por exemplo, o limite é de 0,5g/L de álcool por litro de sangue.

Na Espanha, a legislação é mais condescendente por um lado, pois limita o teor em 1,2 gramas por litro. Em compensação, se o motorista se nega a soprar no bafômetro, prisão de seis a 12 meses. Na Alemanha, terra do chope, limite de 0,3 g, exceto para motoristas profissionais, que devem obedecer a tolerância zero. Esta vale também em outros países europeus, como os nórdicos. E os islâmicos, por motivos religiosos.

20121229113749833533e
Bafômetro individual é obrigatório para os motoristas na França, mas é difícil saber se a exigência chegará ao Brasil Foto: Bafômetro individual é obrigatório para os motoristas na França, mas é difícil saber se a exigência chegará ao Brasil
 

O que diz a OMS?

Mas, qual volume de álcool ingerido interfere no comportamento do motorista ao volante, prejudica suas reações e pode provocar acidentes?

Há um consenso de que um ou dois copos de cerveja não prejudicam o motorista. Mas, diante de tantas discrepâncias, o que dizem os estudos científicos a respeito? Uma respeitável manifestação foi da Organização Mundial de Saúde (OMS): suas pesquisas indicam que não há interferência no comportamento do motorista que ingere até 0,5g/L.

A permissão do nosso código (0,6 g/l) foi derrubada pela Lei Seca, que deixou de tolerar qualquer teor de álcool ao volante e passou a punir severamente os motoristas que a desrespeitam. Há controvérsias a respeito, mas um argumento (quase) definitivo em seu favor: os acidentes de trânsito diminuíram desde que foi implantada.

Mas tem também uma questão mais que pertinente: o que evitou de fato os alcoolizados ao volante foi a tolerância zero da Lei Seca ou a fiscalização implantada a partir dela?

É incontestável o argumento de que, se a fiscalização já obriga o motorista a se submeter ao bafômetro, seria desnecessário manter a tolerância zero. Mas o argumento da redução dos acidentes falou mais alto e a Lei Seca prevaleceu.

E o sanduíche?

Surge agora uma nova questão. O Proteste (Associação Brasileira de Defesa do Consumidor) realizou testes com o pão de forma para descobrir que vários deles apresentam um razoável teor alcoólico. Ou seja, se o motorista come algumas de suas fatias, será punido se surpreendido logo depois por um bafômetro. Além do pão de forma, outras comidas e bebidas podem causar mesmo efeito, basta fermentar no organismo para produzirem álcool.

Suco de uva, por exemplo. Ou frutas fermentadas como bananas ou maçãs bem maduras. Também um probiótico, o kombucha, produzido a partir da fermentação do chá. Alguns enxaguantes bucais contêm álcool em sua composição e que pode surgir no teste do bafômetro.
Então, fica a questão: quantos motoristas podem ter sido (indevidamente) punidos pelo bafômetro porque acabaram de combinar um sanduíche de pão de forma com um suco de uva?

A solução para que se evitem estas equivocadas punições não poderia ser mais simples: voltar aos 0,6 g de álcool no sangue previstos no nosso código de trânsito, que permite um chope, um vinho, o bombom de licor e o pão de forma sem prejudicar o comportamento do motorista.

Confira os vídeos do VRUM nos canais do YouTube e Dailymotion: lançamentos, testes e dicas