Foram duas reviravoltas no mercado brasileiro de automóveis. Enquanto importador, fiel ao padrão norte-americano. Quando passou a fabricar, aderiu aos carros europeus. E agora, sucumbe novamente ao padrão dos EUA.
Antes de se implantar nossa indústria automobilística, na década de 60, praticamente só se importavam marcas norte-americanas. Só dava Chevrolet, Ford e Dodge. Contavam-se nos dedos os europeus.
Quando surgiram as primeiras fábricas de verdade (Ford e GM eram simples montadoras de peças), os modelos bem sucedidos eram derivados dos europeus. Nosso mercado sempre foi muito mais atrelado ao Fusca, Corcel, Monza e Palio do que ao Maverick, Dart ou Galaxie.
Há uma diferença fundamental entre modelos da Europa e dos EUA, que surgiu depois da segunda guerra. Os europeus desenvolveram carros mais compactos, com mecânica mais sofisticada e eficiente que os americanos. Reflexo da própria economia de cada um: os automóveis produzidos nos EUA, enormes, beberrões, com exagero de dimensões e cromados, refletiam o poder da economia norte-americana. Dólares em profusão, gasolina mais barata que água mineral.
Enquanto isso, os europeus se restabeleciam das ruínas da guerra, com fábricas e economias destruídas. Tudo era escasso, principalmente na Alemanha. A BMW chegou a produzir um carro semelhante à nossa Romi-Isetta, a BMW-Isetta, menor que o Fusca.
Racionalidade: marca dos carros europeus
Mas, com seu incrível poder de recuperação (e uma mãozinha do plano Marshall…), a Europa foi se restabelecendo, aperfeiçoando e modernizando seus automóveis. Sem fugir da filosofia básica de capricho na mecânica, tecnologia e eficiência, contenção de peso e otimizando a relação custo-beneficio.
Nada de gigantescos motores V8 de 5 e 7 litros equipando “lanchas” de cinco a seis metros de comprimento pesando mais de duas toneladas.
Os carros europeus eram equipados com eficientes máquinas de baixa cilindrada, como os da Opel, VW, BMW, Alfa Romeo, Rover, Fiat. E desenvolviam quase a mesma potência de Fords e Chevrolets, apesar de consumir a metade. Os cavalos que faltavam aos europeus eram compensados por centenas de quilos a menos, caixas manuais com duas marchas mais que as automáticas de três velocidades dos americanos.
Brasil era retrato da Europa
A economia brasileira era muito mais um retrato da europeia, o que se evidenciava pelo panorama de nossas ruas nas décadas de 60 a 80: quase só modelos da VW, Fiat, Alfa Romeo, Simca e Opel (braço europeu da GM). Da Ford que fabricava europeus (Corcel, Del Rey, Escort) e americanos (Willys, Maverick e Galaxie).
A Dodge com uma linha dos EUA (Dart) e outra inglesa (Polara). E, com a crise do petróleo da década de 70, sumiram os grandes americanos como Dart e Galaxie.
O único modelo norte-americano que fazia sucesso por aqui e quase desconhecido na Europa era a picape grande. E durante anos só se produziu Chevrolet (C-10) e Ford (F-100), até que a Fiat teve a brilhante idéia de lançar em 1978 uma picape inexistente no mundo, derivada de um compacto, o 147 Pick-up. Logo copiada pela GM, Ford e VW.
Nos EUA, a conversa é outra, e o motorista é apaixonado pelas picapes médias e grandes: Ford Ranger lá é “pequena”. Aliás, no típico exagero norte-americano, Honda Civic é classificado como “compacto”. Renault e Fiat quebraram a cara ao tentar vender seus modelitos por lá. Citroën e Peugeot nem tentaram.
O SUV…
A paixão pela picape levou a uma variação sobre o tema, o utilitário esportivo (o SUV). O europeu ainda resiste a ambos, mas o brasileiro se encantou a aderiu a esse inexplicável modismo.
Não existe carro mais prático para a família que a perua, ou station-wagon, em inglês. Que caiu em total desuso por aqui, eliminada do mapa – assim como os hatches médios – pelos SUVs.
No Brasil, o avô tinha um Chevrolet 1951, o filho, um Opala Caravan. O neto adora a Blazer…
Não pergunte a um brasileiro o que o levou a trocar a perua Toyota Fielder ou Fiat Weekend pagando muito mais por um Corolla Cross ou Pulse: decisões emocionais são inexplicáveis.