Em março, o carro flex completou 20 anos no mercado brasileiro. A tecnologia que permite o uso de gasolina, etanol ou a mistura de ambos em qualquer proporção foi aprimorada pela engenharia brasileira e posta à venda em larga escala em 2003. De lá para cá, estima-se que já foram vendidos mais de 40 milhões de unidades de modelos flex de diferentes marcas. Mas depois de duas décadas, fica o questionamento sobre a real eficiência do sistema.
O primeiro carro flex do mercado brasileiro foi o Volkswagen Gol 1.6 Total Flex, lançado em março de 2003. Depois dele, as demais montadoras lançaram seus modelos e, em pouco tempo, a grande maioria dos carros vendidos aqui era equipada com motor flex. De acordo com a Anfavea, atualmente, 83% dos veículos comercializados no Brasil trazem a tecnologia flex. O restante são carros movidos só a gasolina, a diesel, híbridos ou os elétricos.
Quando o carro flex foi lançado, a ideia era disponibilizar ao consumidor a opção de escolher entre a gasolina e o etanol no momento do abastecimento. O combustível derivado da cana de açúcar trazia os atrativos de ser menos poluente e mais barato que a gasolina. Só que tinha um pequeno detalhe: o consumo com etanol é maior, por isso o consumidor brasileiro teve que aprender a fazer a conta para saber quando valia a pena abastecer com esse combustível.
Chamaram o carro flex de pato
Na época do lançamento do carro flex, o etanol estava com o preço bem mais baixo do que o da gasolina, razão pela qual a tecnologia foi considerada um sucesso. Queimou a língua o então presidente da Citroën no Brasil, Sérgio Habib, que na ocasião comparou o carro flex com um pato: “Nada, anda e voa, mas faz tudo mal feito”. Habib teve que se render à realidade e até os carros da marca francesa passaram a usar a tecnologia.
Mas será que ele estava 100% errado? No início, o carro flex tinha que usar o deplorável tanquinho de partida a frio, para injetar gasolina no motor no momento de virar a ignição nos dias de temperaturas mais baixas (inferiores a 15 graus). Esse artifício foi usado durante alguns anos, até que as montadoras substituíram o sistema jurássico pela câmera de preaquecimento do combustível, solucionando o problema da partida a frio. Mas ainda existem muitos carros rodando pelo país com o famigerado tanquinho de partida a frio, dentro do qual a gasolina envelhece e traz problemas para o sistema de alimentação do motor.
Além disso, a indústria automotiva nunca conseguiu solucionar o problema do alto consumo dos motores quando alimentados com etanol. Um problema para o carro flex, já que o que o consumidor mais quer é gastar menos no momento do abastecimento. Se com etanol o consumo é maior, qual a vantagem de abastecer com esse combustível? O carro vai poluir menos e o desempenho será melhor.
O etanol e o preço do litro na bomba
Para essa conta ficar mais favorável ao uso do etanol é preciso levar em consideração um fator importantíssimo: o preço do combustível derivado da cana. E é aí que mora o perigo. Desde os tempos do Pró-Álcool, o preço do etanol está sujeito a chuvas e trovoadas e, geralmente, baila de acordo com as mudanças no valor do litro da gasolina.
Mas o que uma coisa tem a ver com a outra se a gasolina é derivada do petróleo e o etanol da cana de açúcar? Pois é, coisas da política de preços no Brasil, que sempre favorece quem produz o combustível e penaliza quem tem carro flex. Com a alta do preço do barril de petróleo lá fora, sofremos com a elevação dos valores da gasolina aqui. Era a hora de o etanol fazer valer a sua existência e compensar o investimento feito no motor flex. Mas não é bem isso que acontece.
O valor do etanol no Brasil está sempre atrelado aos interesses dos usineiros que produzem o combustível. Se o preço do açúcar lá fora está em alta, eles diminuem a produção do etanol para atender os mercados externos e faturar mais. Mas se o preço do etanol sobe nas bombas, aí a chave vira e a produção também.
Falta por parte dos governantes e legisladores um comprometimento com essa tecnologia que deu tão certo no Brasil, a do carro flex. É preciso estabelecer uma política de preços para o etanol que justifique a sua produção e o seu uso no carro flex. Se o etanol é um combustível limpo e sustentável, o que falta para entender que ele precisa de um tratamento diferenciado? Vamos ter que continuar fazendo conta para saber se vale a pena abastecer com gasolina ou etanol? Tomara que um dia o combustível derivado da cana seja realmente uma alternativa limpa, sustentável e barata.
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