Nas últimas semanas, algumas montadoras suspenderam a produção em suas fábricas e foram obrigadas a dar férias coletivas para seus funcionários. É a consequência de ter pátios cheios de carros prontos para a venda, mas do outro lado consumidores sem dinheiro e assustados com os altos juros dos financiamentos. Uma realidade que mostra, cada vez mais, que estamos longe de voltar a ter um carro popular verdadeiramente acessível, como na década de 1990.
Depois de longo período com a produção comprometida por falta de componentes, principalmente semicondutores, a indústria automotiva se vê diante de outro problema que afeta diretamente as vendas. A falta de dinheiro no bolso do consumidor, que vê seu poder aquisitivo caindo a cada mês e os preços dos carros subindo junto com os juros dos financiamentos.
Não que o problema dos semicondutores tenha sido resolvido, mas a queda na procura por carros zero acendeu a luz de alerta em algumas montadoras. General Motors, Volkswagen, Hyundai e Stellantis resolveram suspender a produção em suas fábricas e conceder férias coletivas. Foi a maneira encontrada para controlar os estoques e aguardar mudanças na política econômica que estimulem o consumo.
Pouco provável que isso aconteça a curto prazo, já que o Banco Central optou por manter a taxa de juros em 13,75%, o que afeta diretamente os financiamentos. Essa modalidade de compra vem sendo cada vez menos usada, visto que falta no mercado brasileiro o chamado carro popular, que no passado custava cerca de US$ 7 mil, algo em torno de R$ 37 mil nos dias de hoje, e ajudava a dar volume nos números de vendas.
O carro popular de hoje custa quase o dobro (Renault Kwid, R$ 68.180), preço absurdo para um modelo de projeto simples, com poucos equipamentos e segurança questionável. Mas mesmo assim, a grande maioria dos consumidores brasileiros não consegue comprar um exemplar zero quilômetro por total falta de condições.
As montadoras demonstram preocupação com o cenário, mas também têm culpa no cartório, pois foram deixando de lado os modelos de preços “mais acessíveis” e investiram pesado naqueles de maior valor agregado, com margem de lucro mais atraente.
Só que as indefinições na política econômica trouxeram mudanças para esse cenário, afetando também os consumidores de maior poder aquisitivo, que resolveram segurar dinheiro para aguardar os acontecimentos. Não deu outra: queda nas vendas.
Seminário discute o futuro do setor automotivo
Nesta semana, no Seminário Megatendências 2023: O Novo Brasil, realizado pela AutoData Editora, o CEO da Volkswagen Financial Services no Brasil e na América do Sul, Rodrigo Capuruço, afirmou que para a indústria automotiva voltar a oferecer modelos com preços mais acessíveis, o chamado carro popular, “será preciso redesenhar a política de investimentos no Brasil para os próximos 10 anos”.
“Precisamos neste momento, como país, repensar nossa política industrial, assim como nosso modelo de negócios, para sermos capazes de produzir um carro mais barato, que caiba no bolso do nosso cliente”, acrescentou Rodrigo Capuruço.
Fez coro com ele o diretor de negócios de veículos do Itaú Unibanco, Rodnei Bernardino de Souza, que falou da importância de tornar viável a volta da produção do carro popular no Brasil, uma vez que o zero quilômetro está se tornando artigo de luxo no país.
“Nos últimos dois anos, o carro zero dobrou de preço. E, no Brasil, o preço do carro é componente que define a demanda. Acredito que só teremos carro popular com subsídio, porque esse produto não traz rentabilidade aos fabricantes. Mas, eu me pergunto: será que teremos isso de novo?”, disse Rodnei bastante desacreditado.
Para ele, é difícil acreditar em subsídios para o carro popular diante da situação de endividamento do governo. Por isso, Rodnei de Souza afirma que é preciso ser realista, pois o Brasil está longe de ser um país que vende 4 milhões de veículos por ano. “Nossa realidade gira em torno de 1,5 milhão a 2 milhões no máximo”, afirmou.
Uma triste constatação para um país que investe pouco em transporte público e que se vê empacado diante de reformas atreladas ao jogo político, que nunca saem do papel e comprometem o desenvolvimento econômico. Enquanto isso, o trabalhador que vê seu salário sendo corroído pela inflação e por falta de reajustes, enxerga cada vez mais distante o sonho de ter um carro popular na garagem.
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