Brasileiro é apaixonado por carros e muitas vezes mantém uma relação com o bem móvel que extrapola os limites do bom senso. E na hora da compra do automóvel novo, os fatores decisivos podem passar pelo preço, o estilo, a economia de combustível e o tamanho da tela do sistema multimídia. Segurança nem sempre aparece entre as prioridades. E se falar em crash test muitos nem sabem do que se trata.
Pois em países desenvolvidos, a segurança sempre foi prioridade para fabricantes e consumidores. Por lá, a segurança é item básico, até nos modelos de entrada, já que o cidadão não compra o carro se não tiver os equipamentos necessários para protegê-lo e sua família. E eles ainda contam com entidades que atestam a segurança dos veículos em crash test: EuroNCAP, na Europa, e Insurance Institute for Highway Safety (IIHS), na América do Norte.
Por aqui, a coisa é um pouco diferente. Durante décadas, a indústria automotiva brasileira surfou na onda da insegurança, já que não tínhamos um órgão gabaritado para fazer crash test e garantir a proteção dos consumidores. Com o passar do tempo, algumas marcas montaram estruturas dedicadas para realizar os imprescindíveis testes de impacto nos seus modelos, avaliando o resultado de acordo com a conveniência.
Porém, a situação começou a mudar para os latino-americanos em 2010, quando foi criado o Latin NCAP, entidade que usa métodos de ensaio internacionalmente reconhecidos para fazer crash test. Eles qualificam os modelos testados com pontuação entre zero e cinco estrelas, observadno a proteção oferecida pelos veículos para ocupantes adultos e crianças. O Latin NCAP começou em 2010 como uma iniciativa, mas em 2014 passou a ser uma associação, no âmbito de uma entidade jurídica.
De lá para cá, vários modelos produzidos e comercializados no Brasil e na América Latina já foram submetidos ao crash test realizado pelo Latin NCAP, e muitas vezes os resultados são assustadores e preocupantes. Modelos como Renault Duster, Fiat Argo e Cronos, Chery Tiggo 3, Hyundai HB20 e outros já receberam a pontuação de zero estrela no teste de proteção a adultos em avaliações feitas nos últimos anos.
Alguns até conseguiram melhorar a performance e atingiram pontuação mais elevada posteriormente, depois de serem adequados aos novos protocolos de crash test do Latin NCAP. Aliás, essa é a reclamação de algumas montadoras – geralmente, as que seus produtos recebem baixa pontuação –, que alegam que o Latin NCAP faz mudanças nos protocolos sem aviso prévio.
O interessante é que as fabricantes que têm carros com pontuação máxima normalmente não reclamam dos critérios e protocolos do Latin NCAP para o crash test. O certo é que as reclamações surgem de acordo com a conveniência, e, enquanto isso, o consumidor fica sem saber se pode confiar nos modelos que estão à venda no mercado.
Fiat Strada, modelo mais vendido no Brasil, recebe uma estrela do Latin NCAP
Recentemente, a picape compacta Fiat Strada foi submetida ao crash test do Latin NCAP e recebeu apenas uma estrela na proteção aos ocupantes adultos, tanto na cabine simples com dois airbags quanto na cabine dupla com quatro bolsas infláveis. Mas como assim? Então o modelo mais vendido no Brasil apresenta falhas na segurança? A Fiat alega que a avaliação da picape foi prejudicada pelas mudanças nos protocolos do Latin NCAP.
Mas, de acordo com a entidade, no impacto frontal a proteção ao peito e joelhos do motorista foi considerada marginal. Já no impacto lateral de poste, o Latin NCAP revelou que a proteção oferecida à cabeça e ao peito do motorista foi pobre, e o abdômen recebeu proteção marginal. Além disso, verificou-se que o airbag lateral foi acionado de forma incorreta durante o teste.
É um resultado realmente preocupante, levando-se em consideração que há um volume enorme de picape Strada circulando pelo Brasil e em outros mercados. Pior ainda é constatar que o consumidor brasileiro geralmente não se liga nessas questões e são poucos os que conferem o resultado do crash test antes de se definir por este ou aquele modelo.
É por essas e outras que alguns modelos comercializados no Brasil perdem equipamentos de segurança, como foi o caso do extinto Renault Clio, que foi lançado com quatro airbags, mas logo em seguida perdeu dois. E ainda se vê modelos sendo lançados com apenas duas bolsas infláveis, como o novíssimo Citroën C3.
A justificativa? Redução de custos e o argumento de que a estrutura reforçada garante a proteção dos ocupantes do carro independentemente do número de bolsas infláveis. Vamos aguardar o resultado do crash test do Latin NCAP para ver quem está com a razão.
As montadoras têm a obrigação de oferecer produtos seguros e não condenar consumidores de mercados emergentes a levar para casa carros que não garantem proteção adequada sob o argumento de redução de custos. E os consumidores também têm de fazer a sua parte, exigindo veículos com os itens que garantam a segurança de todos. Airbags, cintos de segurança, controle de tração e estabilidade e outros valem muito mais do que uma bela central multimídia.
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