Ao mesmo tempo que causa interesse em alguns consumidores, o carro elétrico enfrenta desconfiança de outros. Afinal, a autonomia é suficiente para viajar? É prático recarregar a bateria? O custo de rodagem é muito mais baixo que o de um veículo a combustão? Eu passei uma semana com um automóvel desse tipo na Itália (no caso, com um Fiat 600e), durante um período de férias; e o veredito é que esses modelos têm, sim, vantagens, mas ainda precisam superar muitos desafios, mesmo nos países da Europa, que já estão bastante adaptados a eles.
Logo no primeiro dia, deu para notar que a autonomia não permitiria viagens mais longas: o percurso inicial, de aproximadamente 214km, entre Milão, onde busquei o veículo, e a cidade de Rovereto, onde fiquei hospedado, consumiu mais de 80% da carga da bateria. Isso, porque a autonomia de um carro elétrico varia bastante em função do tipo de uso: percursos rodoviários, em velocidade constante, quando há pouco uso do sistema de frenagem regenerativa, são justamente os que proporcionam o pior rendimento. Baixas temperaturas também prejudicam os processos eletroquímicos das baterias.
Eu já sabia que a casa onde fiquei hospedado não dispunha de Wallbox, mas que havia um carregador público bem próximo, a cerca de 800m. Usá-lo é fácil: basta apontar o celular para um QR Code, preencher um cadastro e pronto. É preciso apenas ter um chip local para ter sinal de internet, além, claro, de um cartão de crédito liberado para transações internacionais. Concluídos esses passos, o equipamento desbloqueia o plugue.
O primeiro problema, porém, foi outro: a vaga de recarga, na rua mesmo, permitia o estacionamento durante um período máximo de 4 horas. Ou seja, nunca seria possível deixar o veículo plugado lá durante toda a noite para otimizar o tempo, uma vez que isso poderia render multa. E o segundo problema é que as tarifas de recarga variam de acordo com a rapidez: quanto maior for o kW/h escolhido, mais cara será a operação.
Escolhi (naquela vez e em todas as seguintes) a tarifa mais barata, de cerca de 35 Euros (valor que equivale a aproximadamente R$ 190) e iniciei a recarga. Pelo painel, o carro elétrico informou que a operação demoraria, justamente, quase 4 horas: voltei para buscá-lo logo antes de ir dormir, bem limite do tal prazo. Tudo certo, pois a bateria já estava carregada. Nesse ponto, cabe destacar que, ao menos na Itália, carregadores gratuitos (como os existentes em shopping centers no Brasil) são verdadeiras "cabeças de bacalhau": eu, particularmente, só vi aparelhos que cobram pelo uso.
Perrengue chique
No dia seguinte, já conhecendo um pouco melhor tanto o "meu" carro elétrico quanto o processo de recarga, achei que seria tranquilo percorrer um trajeto só um pouquinho maior, de aproximadamente 230km, entre Rovereto e Cortina D'ampezzo, com uma parada no Lago di Braies entre as duas cidades. Porém, aí começaram os perrengues: ambos os destinos ficam em meio aos Alpes, de modo que itinerário foi repleto de aclives. Isso, somado ao uso do aquecimento interno, já que a temperatura externa estava pouco acima de 0ºC, fez a autonomia despencar.
No Lago di Braies não há carregador para carro elétrico, e eu estava ciente disso, pois havia feito uma consulta prévia no Google Maps: o plano era fazer a recarga em Cortina D'ampezzo. Mas o caso é que, naquela primeira parada, a carga da bateria já estava em cerca de 15%, nível no qual a luz de alerta de acende (seria o equivalente à reserva em um automóvel a combustão). E o computador de bordo marcava uma autonomia de 55km, pouquíssimo mais os cerca de 48km que faltavam até o destino. De qualquer modo, não havia outra alternativa além de tentar chegar lá.
Na estrada de novo, o jeito foi manter o pé direito muito leve e o aquecimento desligado. O trajeto foi pra lá de apreensivo, mas teve final feliz, ainda que por pouco: o Fiat 600e chegou a Cortina D'ampezzo com cerca de 5% de carga na bateria e com menos de 10km de autonomia. Na hora de "abastecer", porém, veio mais uma surpresa, já que o carregador era de outra empresa de recarga. Isso, aliás, foi uma constante durante a viagem, pois há várias operadoras de pontos de recarga para veículos, cada qual com o próprio aplicativo e o respectivo cadastro.
Para completar, como o nível da bateria estava pra lá de baixo, a recarga se prolongou por quase 5 horas. Restou apenas adiar o retorno e esperar. Com o carro elétrico devidamente carregado, o itinerário de volta foi feito já à noite, em modo igualmente econômico, com o mínimo de aceleração e uso moderadíssimo do aquecimento, apesar de a temperatura externa chegar a -6ºC em alguns locais. Graças à direção econômica e ao relevo que, agora, formava muitos declives, foi possível chegar a Rovereto com o nível de carga da bateria em 12%, já tarde da noite.
Mais surpresas
Agora já mais consciente das limitações do carro elétrico, restringi o uso dele a destinos mais próximos, entre os quais algumas cidadezinhas à beira do Lago di Garda, a não mais que 85km de distância. A única viagem um pouco mais longa foi até Pádua, com uma parada em Vicenza, totalizando 175km: um trajeto tranquilo, mas que demandaria uma recarga para retornar a Rovereto. Minha ideia era "dividir" essa recarga entre as duas cidades. Assim, a bateria sempre ficaria com um bom nível e, ademais, o processo otimizaria melhor o tempo.
Mas eis que, em Vicenza, o carregador mais próximo ao centro histórico não tinha QR Code nem qualquer tipo de orientação para uso. Enquanto eu ainda tentava entender como aquilo ali funcionava, chegou um sujeito com pinta de almofadinha em um Tesla Model Y, reivindicando a vaga e dizendo que tinha feito uma reserva. E não é que aquele equipamento, de uma operadora então desconhecida (mais uma), realmente exigia download prévio do app e agendamento de horário? O jeito foi estacionar em outro lugar e deixar todo o processo de recarga para a próxima parada.
O carro elétrico chegou sem sustos a Pádua, onde havia um equipamento convencional, daqueles que não exigem agendamento, vizinho à área central. Ufa! Porém, ele não ficava na rua, e sim dentro de um estacionamento privado, que cobrava pela permanência independentemente do valor de recarga. E lá se vão mais alguns preciosos Euros... Durante a visita aos principais pontos turísticos da cidade, a bateria atingiu 98% da carga total: após uma espera adicional de aproximadamente 10 minutos, totalizando pouco menos de 4 horas, o marcador enfim indicou 100%.
Carro elétrico vale a pena?
Após essa convivência intensa, sinto-me com propriedade para dizer que o carro elétrico só vale a pena para determinados tipos de uso. Um proprietário que o utilizar em trajetos urbanos, no dia-a-dia, poderá ficar bastante satisfeito, desde que providencie também a instalação de um carregador do tipo Wallbox em casa.
Do ponto de vista estritamente financeiro, as recargas, mesmo pagas, ficam ligeiramente mais em conta do que abastecimentos com gasolina. Na Itália, o litro desse combustível custa, em média 2,07 Euros (valor que equivale a cerca de R$11). Assim, encher o tanque de 40 litros de um veículo a combustão ficaria em torno de 81 Euros (R$435). Por outro lado, com esse volume de combustível, seria possível rodar tranquilamente mais de 400km, enquanto a autonomia do carro elétrico, na estrada, era de aproximadamente a metade dessa distância.
De qualquer modo, se eu estivesse dirigindo um automóvel convencional, a combustão, teria pago um pouco mais por quilômetro rodado. Porém, essa equação pode facilmente se inverter caso o usuário faça recargas rápidas, já que o valor delas chega a dobrar em relação ao processo convencional, superando a marca de 60 euros (R$320).
No fim das contas, apesar da ligeira economia, não recomendo a opção por um carro elétrico para fazer turismo. Até mesmo em um país com boa infraestrutura de recarga, como a Itália, tais veículos ainda trazem grandes limitações. Não por acaso, do lado de cá do Atlântico, no Brasil, onde a quantidade de pontos de recarga é bem menor, os compradores típicos desses modelos têm outro automóvel em casa, com mecânica tradicional, para trajetos mais longos.
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