Até não muito tempo atrás, os motoristas brasileiros rejeitavam os carros automáticos: um dos motivos seria o consumo de combustível bem mais alto que o dos similares equipados com transmissão manual. Os tempos mudaram e, na última década, a caixa automática dominou o mercado. Desde o ano passado, ela está presente na maioria dos automóveis zero-quilômetro vendidos no país. Porém, a questão do gasto de combustível ainda causa receio em alguns consumidores.
Afinal, essa desconfiança tem fundamento? O VRUM consultou as tabelas do Programa Brasileiro de Etiquetagem Veicular (PBEV), do Inmetro, do ano de 2024, para esclarecer essa questão. Abaixo, a reportagem enumera os dados de consumo de todos os carros que, com a mesma motorização, oferecem os dois tipos de caixa de marchas, manual e automática.
Compare o consumo dos carros manuais com os automáticos
De antemão, os números mostram que, na maioria dos casos, os carros automáticos têm, sim, consumo de combustível mais elevado. Porém, há exceções: dos 12 automóveis pesquisados, quatro apresentaram gastos de combustível praticamente iguais, independentemente do tipo de câmbio, com variações mínimas a favor de um ou de outro. Confira os dados e, mais abaixo, entenda por que isso acontece:
1- Chevrolet Onix
Consumo | Chevrolet Onix LT MT6 | Chevrolet Onix LT AT6 |
Etanol cidade (km/l) | 9,1 | 8,3 |
Etanol estrada (km/l) | 11,1 | 10,4 |
Gasolina cidade (km/l) | 13,1 | 11,6 |
Gasolina estrada (km/l) | 16,1 | 14,9 |
Consumo energético (MJ/km) | 1,50 | 1,66 |
2- Chevrolet Onix Plus
Consumo | Chevrolet Onix Plus LT MT6 | Chevrolet Onix Plus LT AT6 |
Etanol cidade (km/l) | 9,3 | 8,6 |
Etanol estrada (km/l) | 11,8 | 11,1 |
Gasolina cidade (km/l) | 13,4 | 12,1 |
Gasolina estrada (km/l) | 16,9 | 15,8 |
Consumo energético (MJ/km) | 1,44 | 1,58 |
3- Chevrolet Montana
Consumo | Chevrolet Montana LT MT6 | Chevrolet Montana LTZ AT6 |
Etanol cidade (km/l) | 8,3 | 7,7 |
Etanol estrada (km/l) | 9,6 | 9,3 |
Gasolina cidade (km/l) | 12,0 | 11,1 |
Gasolina estrada (km/l) | 13,6 | 13,3 |
Consumo energético (MJ/km) | 1,70 | 1,81 |
4- Fiat Argo
Consumo | Fiat Argo Trekking MT5 | Fiat Argo Trekking CVT7 |
Etanol cidade (km/l) | 9,1 | 8,9 |
Etanol estrada (km/l) | 10,0 | 10,1 |
Gasolina cidade (km/l) | 12,6 | 12,7 |
Gasolina estrada (km/l) | 14,1 | 13,9 |
Consumo energético (MJ/km) | 1,60 | 1,60 |
5- Fiat Cronos
Consumo | Fiat Cronos Drive MT5 | Fiat Cronos Drive CVT7 |
Etanol cidade (km/l) | 9,0 | 9,3 |
Etanol estrada (km/l) | 10,9 | 11,0 |
Gasolina cidade (km/l) | 12,8 | 13,3 |
Gasolina estrada (km/l) | 15,5 | 15,0 |
Consumo energético (MJ/km) | 1,53 | 1,50 |
6- Fiat Pulse
Consumo | Fiat Pulse MT5 | Fiat Pulse Drive CVT7 |
Etanol cidade (km/l) | 9,0 | 8,8 |
Etanol estrada (km/l) | 10,4 | 10,6 |
Gasolina cidade (km/l) | 12,5 | 12,5 |
Gasolina estrada (km/l) | 14,7 | 14,5 |
Consumo energético (MJ/km) | 1,58 | 1,58 |
7- Fiat Strada
Consumo | Fiat Strada Volcano MT5 | Fiat Strada Volcano CVT7 |
Etanol cidade (km/l) | 9,0 | 8,7 |
Etanol estrada (km/l) | 9,8 | 10,5 |
Gasolina cidade (km/l) | 12,7 | 12,4 |
Gasolina estrada (km/l) | 13,9 | 13,8 |
Consumo energético (MJ/km) | 1,61 | 1,62 |
8- Hyundai HB20
Consumo | Hyundai HB20 Comfort MT6 | Hyundai HB20 Comfort AT6 |
Etanol cidade (km/l) | 9,4 | 8,3 |
Etanol estrada (km/l) | 10,6 | 9,9 |
Gasolina cidade (km/l) | 13,4 | 11,8 |
Gasolina estrada (km/l) | 14,5 | 14,0 |
Consumo energético (MJ/km) | 1,52 | 1,69 |
9- Hyundai HB20S
Consumo | Hyundai HB20S Comfort MT6 | Hyundai HB20S Comfort AT6 |
Etanol cidade (km/l) | 9,2 | 8,3 |
Etanol estrada (km/l) | 10,7 | 9,9 |
Gasolina cidade (km/l) | 13,1 | 11,7 |
Gasolina estrada (km/l) | 14,8 | 13,9 |
Consumo energético (MJ/km) | 1,53 | 1,70 |
10- Renault Duster
Consumo | Renault Duster Intense MT5 | Renault Duster Intense CVT |
Etanol cidade (km/l) | 8,1 | 7,2 |
Etanol estrada (km/l) | 8,5 | 8,1 |
Gasolina cidade (km/l) | 11,6 | 10,5 |
Gasolina estrada (km/l) | 12,3 | 11,5 |
Consumo energético (MJ/km) | 1,81 | 1,99 |
11- Volkswagen Polo
Consumo | Volkswagen Polo TSI MT5 | Volkswagen Polo Comfortline TSI AT6 |
Etanol cidade (km/l) | 9,5 | 8,5 |
Etanol estrada (km/l) | 11,3 | 10,6 |
Gasolina cidade (km/l) | 13,7 | 12,5 |
Gasolina estrada (km/l) | 16,1 | 15,1 |
Consumo energético (MJ/km) | 1,45 | 1,59 |
12- Volkswagen Virtus
Consumo | Volkswagen Virtus TSI MT5 | Volkswagen Virtus TSI AT6 |
Etanol cidade (km/l) | 8,9 | 8,4 |
Etanol estrada (km/l) | 10,8 | 10,5 |
Gasolina cidade (km/l) | 12,5 | 12,1 |
Gasolina estrada (km/l) | 15,4 | 14,8 |
Consumo energético (MJ/km) | 1,56 | 1,63 |
Por que alguns carros automáticos têm consumo maior e outros não?
Os leitores mais atentos devem ter percebido que todos os carros automáticos que apresentaram índices semelhantes de consumo de combustível tanto com o câmbio manual quanto com o automático - no caso, Fiat Argo, Cronos, Pulse e Strada - têm a mesma mecânica. O conjunto inclui motor 1.3 de aspiração natural e câmbio do tipo CVT, com relações continuamente variáveis, fornecido pela Aisin. E esse segundo item é justamente o ponto determinante da questão.
O engenheiro Sandro Soares, da engenharia do Grupo Stellantis, detentor da marca Fiat, esclarece que o funcionamento desse tipo de câmbio que favorece o consumo. É que o CVT não fica fixo nas mesmas marchas. Assim, quando o motorista está em velocidade constante, sem aumentar a carga aplicada ao pedal do acelerador, a caixa vai variando o diâmetro das polias com a correia até alcançar a relação mais longa possível para a potência demanda.
""O CVT não tem relações fixas de marchas (...). Como ele vai alongando as relações, acaba gerando economia."
por Sandro Soares, engenheiro do Grupo Stellantis
Soares lembra que o câmbio CVT da Fiat emula sete marchas, mas, mesmo assim, esse efeito não é constante. Dependendo da situação, ele mantém a citada característica de alongar ao máximo as relações, reduzindo o giro do motor e, consequentemente, poupando combustível. Por fim, o engenheiro afirma que um dos objetivos durante o desenvolvimento foi justamente o de fazer com que os carros em questão, mesmo automáticos, obtivessem consumo semelhante aos similares manuais.
Há de se considerar, ainda, o caso do Renault Duster, que está entre os carros com câmbios automáticos do tipo CVT, mas apresenta consumo significativamente menor quando vem equipado com câmbio manual. Nesse caso, questões como as relações do diferencial, acerto eletrônico e até o peso do próprio veículo, que chega a 1.277kg, podem explicar tal diferença.
Boris Feldman já comentou sobre esse assunto: assista ao vídeo!
Carros automáticos convencionais têm consumo maior
Os demais carros enumerados nesta reportagem têm câmbios automáticos convencionais, do tipo epicíclico, com seis velocidades: não por caso, todos eles têm consumo mais alto que os similares manuais. O engenheiro mecânico Erwin Franieck, mentor de tecnologia da Sociedade de Engenheiros da Mobilidade do Brasil (SAE Brasil) pondera que as relações de marchas são fixas, características desses sistemas, são menos eficientes do ponto de vista energético.
"Um câmbio CVT é muito mais propício a proporcionar uma redução no consumo que um automático convencional."
por Erwin Franieck, mentor de tecnologia da SAE Brasil
Franieck enumera também outras questões que influenciam no consumo dos carros automáticos, entre as quais um componente chamado de conversor de torque, que faz o acoplamento do câmbio com motor. Segundo o especialista da SAE, devido aos atritos internos, essa peça pode aumentar o gasto de combustível em até 20% em trajetos urbanos, em determinadas situações.
Nesse ponto, cabe esclarecer que todos os carros automáticos enumerados no levantamento de consumo do VRUM têm conversor de torque. Porém, na maioria dos modelos com câmbio CVT, as perdas provocadas por essa peça acabam sendo menos sentidas devido à maior eficiência das relações variáveis. Já nos sistema epicíclico, com marchas fixas, não tem jeito: o consumo acaba sendo maior.
Contudo, o engenheiro da SAE pondera que essas perdas já foram bem maiores. Nos carros automáticos mais antigos, que tinham apenas três ou quatro marchas e dispunham de pouca ou nenhuma eletrônica, o consumo era muito mais elevado que em um veículo manual.
E os automatizados?
Os dois engenheiros consultados pela reportagem citam ainda o câmbio automatizado como mais eficiente que os automáticos convencionais. Tal qual a do tipo CVT, essa caixa pode proporcionar baixos números de consumo. Nele, as relações são fixas, mas não há conversor de torque: no lugar dessa peça, há, nos sistemas mais atuais, não só uma, mas duas embreagens, com acionamento robotizado. Consequentemente, as perdas são mínimas.
Nesse caso, porém, não foi possível fazer uma análise de números de consumo do PBEV, já que, ao contrário do que acontece com os modelos automáticos enumerados, não existem, no mercado brasileiro, carros que ofereçam tanto a caixa automatizada quanto a manual.
A título de curiosidade, vale lembrar que, do ponto de vista técnico, também é possível associar o câmbio do tipo CVT a uma embreagem eletromecânica. No mercado brasileiro, um veículo que adotou esse sistema foi o Honda Fit de primeira geração.
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