Poucos anos atrás, a eletrificação total era dada como certa na indústria automobilística. Fatores como a legislação europeia, que havia determinado a proibição da venda de veículos a combustão a partir de 2035, e os generosos incentivos fiscais concedidos aos modelos verdes por lá, aceleraram os investimentos do setor em carros elétricos. Porém, o cenário mudou rapidamente; e, consequentemente, os planos dos fabricantes, também.
Nesse ponto, cabe ressaltar que, sem incentivos fiscais, os carros elétricos não conseguem se equiparar, em termos de preço de compra, aos similares a combustão. Isso, porque o custo de produção desses modelos é significativamente mais alto, em razão, principalmente, das baterias. Afinal, tal componente, que tem, em média, 300kg de massa, exige altas doses de minerais nobres, como lítio, cobalto e manganês, entre outros, durante o processo de produção.
O problema é que esses minerais estão com a demanda em alta não só em função dos carros elétricos, mas também em vários outros setores industriais. Basicamente, qualquer coisa que dependa de uma bateria de íons de lítio para funcionar consome tais matérias-primas. A procura bem mais alta que a oferta resulta em preços elevados, que, sem incentivos fiscais, são repassados aos consumidores.
Para tornar a situação ainda mais complexa, a produção de baterias de íons-de-lítio está concentrada na China. Estimativas indicam que o país é responsável por mais de 80% da manufatura mundial desses componentes. Isso se deve a uma série de especificidades da economia local, entre as quais o fato de que o próprio governo tem participação direta nas empresas que fabricam tais componentes, como a BYD e a CATL.
Europa pisa no freio
Por outro lado, as maiores economias do ocidente estão "apertando o cinto". Questões internacionais, como a pandemia de Covid-19 e a guerra na Ucrânia, degradaram a situação, em especial, na Europa, justamente onde os carros elétricos eram mais incentivados. A inflação minou o poder de compra dos consumidores, fenômeno que ocorre também nos Estados Unidos, onde alguns estados, igualmente, fomentaram a eletrificação da frota.
Recentemente, alguns países da União Europeia, como Alemanha e França, cortaram incentivos aos carros elétricos. O continente também passou a enfrentar pressões internas para alongar o prazo de eletrificação total da frota: além da Alemanha, a Itália também é favorável a uma flexibilização. O Parlamento Europeu voltará a votar a questão dentro de dois anos.
Empresas reduzem investimentos em carros elétricos
O resultado é que as empresas que apostavam em uma mudança rápida na matriz energética estão refazendo os próprios planos. A Volkswagen, uma das primeiras a anunciar que venderia unicamente carros elétricos a partir de 2035, tomou prejuízos bilionários nesse segmento. A multinacional investiu pesado no desenvolvimento e na produção da linha ID., com propulsão 100% elétrica, mas as vendas simplesmente não decolaram.
A Ford está em situação semelhante. Inicialmente, a empresa planejava lançar uma verdadeira ofensiva de carros elétricos, com vários modelos inéditos e de maior valor agregado. Um exemplo dessa estratégia é o Mustang Mach-E. Porém, os investimentos bilionários demandados nessa empreitada resultaram em um rombo financeiro. Sem outra saída, a empresa freou a produção e anunciou que voltará aos segmentos de entrada, com modelos a combustão.
Outro exemplo é o da General Motors (GM), detentora da Chevrolet. O conglomerado pretendia fazer uma transição direta dos carros a combustão para os elétricos. Porém, recentemente, anunciou o desenvolvimento de híbridos para os países da América do Norte. Aliás, embora ainda não haja um posicionamento oficial, essa tecnologia deve chegar também aos veículos nacionais da marca.
A visão predominante na indústria segue no sentido da eletrificação. Porém, essa transição, que poucos anos atrás andava acelerada, deve levar mais tempo que se imaginava. O velho motor a combustão, ao que parece, ainda terá uma sobrevida significativa, inclusive sob o capô de veículos híbridos, vistos como alternativa viável inclusive no Brasil.
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