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Combustíveis - Sai solvente, entra água

Órgãos fiscalizadores revelam que adulteração do álcool e gasolina ainda é prática comum. Lei garante ao consumidor direito de exigir teste do combustível no posto

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Houve um período em que o problema de adulteração de combustíveis em Minas Gerais tomou proporções incontroláveis. O caso se tornou tão grave que, em janeiro de 2002, o promotor Francisco José Lins do Rêgo Santos, que investigava a máfia dos combustíveis, foi executado em via pública em Belo Horizonte. Os criminosos foram presos e a quadrilha desmantelada, graças a uma ação conjunta do Ministério Público e da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).

Atualmente, os órgãos fiscalizadores garantem que o problema ainda ocorre, mas em menores proporções. Em teste recente, encomendado para verificar a eficiência de seus motores, a Honda constatou quantidade excessiva de água na gasolina e no álcool, gerando problemas de funcionamento. Questionada sobre a possível adulteração, a ANP informou que as irregularidades mais comuns à não-conformidade dos combustíveis são: adição de álcool anidro em percentual distinto do permitido (25% com tolerância de 1 ponto percentual para mais ou menos), adição de solvente na gasolina e o álcool hidratado com teor alcoólico também diferente do permitido (92,6° INPM a 93,8° INPM).

Ainda de acordo com a ANP, há também o chamado "álcool molhado", que, na prática, é a hidratação do álcool anidro, para comercializá-lo como hidratado, com o objetivo de obter vantagem fiscal, alterando as especificações do produto. Mas a agência fiscalizadora afirma que o problema foi praticamente eliminado desde o início de 2006, quando foi determinada a adição de corante na cor laranja ao álcool anidro. Dessa forma, o consumidor tem como identificar o álcool hidratado adulterado.

Nos cinco primeiros meses deste ano, a ANP realizou 550 ações fiscalizadoras em Minas Gerais, com 65 autuações e nove interdições, nenhuma delas por problemas de qualidade. Os motivos de interdição foram falta de autorização de funcionamento da ANP, bomba medidora com problemas de aferição e falta de segurança nas instalações. Mas o órgão mantém o Centro de Relações com o Consumidor para receber denúncias pelo telefone 0800 970 0267.

InteriorPara o promotor de Justiça de defesa do consumidor do Procon Estadual, Amauri Artimos da Matta, a adulteração da gasolina com solvente é problema do passado. Ele revela que atualmente a prática mais comum é misturar água no álcool hidratado ou aumentar a quantidade de álcool anidro na gasolina. De acordo com o promotor, as reclamações existem, mas no geral a qualidade do combustível comercializado em Belo Horizonte é boa, devido à proximidade com as distribuidoras. "O problema maior está no interior do estado, principalmente no Sul de Minas, que recebe combustível ruim de São Paulo. As usinas vendem o álcool direto para os postos e assim há sonegação de impostos e adulteração do produto com água", revela o promotor.

Laboratório movél verifica qualidade em postos de abastecimento


Mas Amauri informa que o consumidor tem o direito de pedir que seja feito o teste de qualidade do combustível na bomba, apesar de a maioria dos postos não ter profissionais capacitados para tal procedimento. Ele acrescenta que, em geral, os postos confiam nos boletins de conformidade do produto fornecidos pelas distribuidoras e, com isso, o teste de qualidade é deixado de lado. "O consumidor também não faz a parte dele, exigindo o teste, normalmente por falta de tempo", afirma.

Danos ao motor
Com o excesso de água no tanque de combustível, o motor, seja ele flex ou somente gasolina ou álcool, terá problemas de funcionamento. De acordo com o professor Ramón Molina, coordenador da área automotiva do curso de engenharia mecânica da UFMG, o excesso de água no combustível pode provocar falha na ignição, perda de rendimento, carbonização e aumento do consumo. Ele revela que, em motores preparados, certa quantidade de água pode até trazer ganho de potência, pois ao evaporar ajuda no resfriamento do propulsor. Mas para que isso ocorra é preciso ter medidas exatas.

Nos motores flex, de acordo com Molina, os prejuízos são menores, pois estão preparados para receber diferentes tipos de mistura. Mas, nos motores somente a gasolina, o problema é pior. O professor revela que o álcool anidro e a gasolina se misturam, mas, quando o hidratado é adicionado ao combustível derivado de petróleo, há a separação. Com isso, pode ocorrer o aumento da temperatura, causando detonação, ressecamento e oxidação de componentes do motor.

De acordo com Ramón Molina, é fácil perceber quando o carro foi abastecido com combustível adulterado, ou com excesso de água ou com quantidade maior de álcool anidro. Nesses casos, ocorre oscilação da marcha lenta, cheiro estranho vindo do escapamento e fumaça branca. E o problema fica ainda mais evidente quando o tanque está mais vazio, pois assim a quantidade de água é maior. Para se precaver, o consumidor deve perder um pouco de tempo e exigir o teste na bomba, evitando prejuízo no bolso.