De Brasília – A despeito dos entraves ainda representados pela falta de incentivos e alto custo, o potencial de expansão dos elétricos no Brasil é encorajado entre especialistas pela matriz energética brasileira: 72% da energia produzida no país vêm de hidrelétricas, diferentemente do Japão ou Estados Unidos, dependentes de usinas térmicas. Mesmo se houvesse nos próximos anos uma expansão desses modelos por aqui, o impacto da recarga de uma frota de elétricos é minimizado. “Segundo estimativas, os elétricos e híbridos plug-in (que podem ser recarregados na tomada) responderão por apenas 1% do consumo energético brasileiro em 2030”, aposta Pietro Erber, diretor-presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico, ABVE. Para remanejar a energia, há o conceito de smart grid, em que a rede pode, até mesmo, retirar mediante pagamento (ou desconto no medidor) parte da energia demandada diretamente das baterias dos elétricos conectados. De quebra, ainda seria possível programar a recarga para um horário em que a energia seja mais barata. É como uma lição da Bolsa de Valores: compre na baixa, venda na alta. Porém, o cenário depende da regulação específica do setor.
A eletrificação exigirá grandes investimentos em infra-estrutura. Por enquanto, a Petrobras criou apenas um posto, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, locação escolhida pela frota superior a 300 scooters elétricos. A instalação de pontos não será barata e dependerá da demanda. Um simples spot de recarga sai por US$ 1 mil, enquanto uma estação de troca rápida de baterias – quick-drop – pode custar US$ 750 mil. Em relação aos pontos domésticos, poucas ações empresariais. A Tecnisa está construindo em São Paulo um condomínio equipado com recarregadores, a ser lançado em 2016. “É um condomínio de luxo em Pinheiros, onde cada unidade sairá por R$ 1,5 milhão. Uma maneira de embutir o custo, já que só a fiação em cada torre de apartamentos sairá por R$ 300 mil”, revela Luiz Manetti, engenheiro de Desenvolvimento Tecnológico da Tecnisa.
As características do mercado ajudam a determinar qual será o método de recarga. Nos Estados Unidos, quase todas as residências tem garagem, enquanto no Japão para se comprar um carro é necessário comprovar que se tem garagem para guardá-lo. Como são esses os dois principais mercados do Nissan Leaf, o fabricante incluiu as baterias no preço do carro, que poderá ser oferecido ao público em 2016 por aqui. Já a linha Zero Emissions da Renault será lançada no início de 2012, com planos de vir para o Brasil. "O pack de baterias terá um aluguel mensal, que fica por volta de 45 euros no caso do urbano Twizy (o menor modelo da gama). Um lado bom é o uso de estações estilo 'quick-drop', em que só é necessário tirar o pack de baterias vazio e inserir um novo no lugar. Outra vantagem é a disponibilidade de novas tecnologias, sem ter que comprar outras células", ressalta Antônio Calcagnotto, da Renault. Lembrando que o pack de baterias pode custar mais de US$ 10 mil e dura até 10 anos.
AGORA No Brasil, os projetos são mais comuns em iniciativas conjuntas entre concessionárias de energia e alguns fabricantes. A Itaipu Binacional, por exemplo, se associou a Fiat e a Iveco para criar versões elétricas do Palio e do pequeno caminhão Daily, voltadas para o uso interno, e, recentemente, confirmou que converterá 300 unidades do novo Uno, com tecnologia da caterinense WEG. Em relação aos comerciais, o destaque é a Volvo, que já confirmou que fará o primeiro chassi de ônibus híbrido no Brasil, em Curitiba.
A demora na comercialização de modelos elétricos para pessoas físicas no país levou o engenheiro Elifas Gurgel a converter um Volkswagen Gol Trend 1.0, que passou a ser movido a um motor elétrico capaz de gerar um pico equivalente a 71cv de potência. As baterias são de íons de lítio, capazes de dar ao hatch até 150km de autonomia, apenas 10km a menos que a média de elétricos produzidos em série, como o Nissan Leaf. O melhor é que Elifas Gurgel prepara um kit de conversão, que poderia ser comercializado por cerca de convidativos R$ 15 mil, segundo o engenheiro. "Pode ser tomado como uma forma de protesto contra o crime de lesa-pátria cometido pelo governo: o de ainda não ter uma política definida para os carros elétricos", desabafa o engenheiro, cujo sobrenome lembra João Amaral Gurgel, outro pioneiro entre os modelos movidos a eletricidade, com seu Itaipu de 1974.
Apostas de laboratório
Além da infraestrutura, outro empecilho aos elétricos é a autonomia, escassa para viagens mais longas. O entrave pode ser solucionado nos próximos anos. Um grupo de pesquisadores do MIT, Massachusetts Institute of Technology, ou Instituto de Tecnologia de Massachusetts, revelou o projeto de um novo tipo de armazenagem, sem o uso dos tradicionais eletrodos sólidos com sais de lítio ou níquel. Os ions de lítio, as partículas de energia, ficam armazenados em tanques em soluções semilíquidas (pastosas), que são bombeadas para os compartimentos coletores da bateria (cátodo e ânodo). Ao passar pelos coletores, os ions são convertidos permitindo a movimentação dos elétrons, gerando corrente elétrica, e os líquidos inertes resultantes são armazenados em outros tanques. Para recarregar, basta trocar as soluções, como se fosse um abastecimento normal. As baterias seriam 10 vezes mais eficientes e 50% mais baratas e menores, na mesma proporção. O primeiro protótipo vai rodar em 18 meses, ao final de 2012."
"É uma grande quebra de paradigma. Mas ainda levará pelo menos dois ou três anos em pesquisa e desenvolvimento", explica Raul Beck, responsável técnico pela área de Sistemas de Energia do CPqD, Centro de Pesquisa e Desenvolvimento que atua em tecnologia da informação e energia. Ainda tem a solução dos super-capacitores, capazes de converter com maior eficiência a energia cinética gerada em frenagens e, graças a investimentos em pesquisa, também estão armazenando cada vez mais carga. "O super-capacitor pode ser usado por 10 ou 15 anos sem manutenção e ser recarregado quantas vezes for possível", valoriza Márcio Gastaldi, engenheiro de aplicações da Richardson RFPD. "Mas esbarra na questão do preço e ainda demanda tempo de pesquisa para aplicações automotivas", lembra Raul Beck.
ELEMENTOS Quando se fala em produção nacional, como quer o governo, o problema também esbarra nos insumos necessários para as baterias. “Faltam até profissionais especializados em baterias, o que dificulta o desenvolvimento local”, aponta Luis Baptista, presidente da Saturnia Acumuladores. A demanda por materiais como cobre e lítio subirá 200 vezes entre 2010 e 2030, porém a produção de lítio por aqui é minúscula se comparada a apresentada pelo Chile, Argentina e Bolívia. “Enquanto a indústria de exploração de lítio cresce lá fora, por aqui diminui. Desde 1994 que não são submetidos novos pedidos de exploração”, lamenta Elzívir Azevedo Guerra, coordenador de Geologia, Mineração e Transformação Mineral do Ministério de Ciência e Tecnologia.
As chamadas terras raras, 17 elementos químicos necessários para indústrias de alta tecnologia, incluindo a produção de motores para carros elétricos, são dominadas pela China, que procura restringir a exportação dos elementos. A cotação já subiu 300% entre janeiro e agosto desse ano, o que já alertou o governo brasileiro que busca a exploração nacional das terras raras, grupo de 17 elementos necessários em indústrias de alta tecnologia, como a de veículos de emissão zero. Entre os elementos está o lantânio, tão raro que o próprio nome em grego significa escondido. Dos 14 quilos de terras-raras necessárias para cada carro elétrico, 12 são de lantânio.
Os motores elétricos que equipam híbridos e os atuais elétricos, dependem fortemente de terras raras, por serem do tipo magnético – os magnetos são feitos alguns desses elementos. A Toyota, que já produziu mais de duas milhões de unidades do híbrido Prius, anunciou em janeiro que está projetando em conjunto com a Aisin um motor que dispense os elementos, a ser lançado comercialmente em dois ou três anos. Para evitar a dependência externa e os sabores das cotações de terras- raras, outros fornecedores já se desdobram para baratear, aperfeiçoar e adaptar motores do tipo relutância chaveado, atualmente grandes e caros demais para aplicações automotivas.