O curto mandato de Itamar Franco na Presidência da República, de 1992 a 1994, foi marcante por vários motivos. Enquanto a maioria talvez se lembre do Plano Real como a grande marca do governo, para os apaixonados por carros teve a forma de besouro. É que o político falecido no sábado foi um dos incentivadores da volta da produção do Volkswagen Fusca, descontinuada em 1986. Nunca antes na história deste país um político teve a sua imagem tão ligada a um automóvel: até hoje os Fuscas produzidos naquele período são chamados de Itamar. “A solicitação foi específica pelo Fusca, não foi uma metáfora, como alguns desavisados chegam a afirmar. O recado foi claro e era uma posição política do saudoso Itamar Franco. Tanto que ele costumava dizer que o Fusca é o realismo brasileiro e não o sonho megalômano de uma modernidade equivocada”, afirma Alexander Gromow, especialista em Fusca. Talvez uma pontada no argumento do antecessor Fernando Collor de Mello, que dizia que os carros brasileiros eram carroças.
Foi no governo de Itamar que surgiu a ideia do carro popular, automóveis que custassem até US$ 6,8 mil, segundo o protocolo de fevereiro de 1993. Era para beneficiar apenas os carros 1.000, o que já incluía o Fiat Mille, só que, na prática, foi estendido também aos motores 1.600 refrigerados a ar, beneficiando o Fusca e, por tabela, a Kombi. “Como a conta dos custos da volta do Fusca não fechava, o custo inicial condenava o projeto. Os benefícios para a Kombi fizeram parte de um pacote que a VW apresentou para reduzir seus prejuízos com a volta do Fusca”, relembra Gromow.
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O VW voltou praticamente como havia se despedido (ao menos no Brasil). Ao contrário de outros besouros mundo afora, o brasileirinho ganhou poucas novidades mecânicas: a ignição computadorizada, pneus radiais, para-brisa laminado e catalisador, uma exigência legal. De resto, apenas o volante do Gol, que também doou os bancos. O sonho duraria até 28 de junho de 1996.
CULT O afeto pelo clássico não escondia a realidade: tratava-se de um projeto dos anos 1930. O que pegava era o preço de US$ 7.200, o mesmo do Gol 1000, outra cartada da VW no segmento. Acabou que o valor salgado se tornou munição para a concorrência. Teve até peça publicitária do Lada Laika, outro símbolo daquele período, que exibia o ex-soviético ao lado de um Fusca coberto por uma capa que não escondia suas curvas. Entre vários argumentos nada elogiosos ao Fusquinha, estava o preço de US$ 7.200 do VW e US$ 6.800 do Lada. Ambos podem ter status cult, mas hoje o VW sai pelo dobro e chega a mais de R$ 30 mil no caso da Série Ouro de 1.500 unidades, que fechou a conta de 46 mil carros montados de 1993 a 1996, que se somam aos 3,3 milhões da fornada original feita no país entre 1959 e 1986.
Não era só no visual que o revival remeteu ao passado. A reinauguração da linha de São Bernado do Campo, em 23 de agosto de 1993, recriou a inauguração da planta em 1959, quando Juscelino Kubitschek desfilou em um Fusca conversível feito pela Karmann-Ghia. Para realçar a semelhança entre ele e o político mineiro, o então presidente pediu que a marca fizesse um Fusca Cabriolet. Foram convertidas quatro unidades. Um ficou na própria VW, enquanto Pierre Alain de Smedt, presidente da Autolatina (união entre Ford e Volkswagen) levou uma unidade para a Europa. Os dois restantes foram para o Comandante Rolim, ex-presidente da TAM e fuscamaníaco assumido e o quarto ficou para o próprio Itamar. “Na qualidade de presidente, ele não podia aceitar presentes deste valor. Pediu para pagar em duas vezes o carro, que está hoje no memorial de Juiz de Fora, Minas”, elogia Gromow. O que só fortalece ambos os mitos.