Almejadas há muito tempo por diversos segmentos da sociedade, regras que disciplinam as atividades de desmanche de veículos no Brasil foram aprovadas esta semana com a publicação, na quinta-feira, no Diário Oficial da União, da Lei 12.977/2014, decorrente da sanção presidencial, na quarta-feira, do projeto de lei complementar 38/2013, de autoria do deputado Armando Vergílio (SD-GO), que é presidente da Federação Nacional dos Corretores de Seguros (Fenacor). A principal esperança é de que a nova lei, que só entra em vigor daqui a um ano, reduza substancialmente o furto/roubo de veículos, já que em grande parte o crime é voltado para o desmonte e o comércio ilegal de peças usadas. Em São Paulo, lei semelhante já foi sancionada em janeiro, e na Assembleia Legislativa de Minas também há projeto de lei nesse sentido, porém no início da tramitação.
A LEI O primeiro objetivo é regular a atividade. As empresas de desmontagem – o que inclui pessoa física ou jurídica que trabalhe com desmonte ou destruição de veículo e envio de peça para reposição, sucata ou qualquer outro fim – terão que ser registradas pelos detrans e só poderão dedicar-se a essa atividade. Antes da concessão do registro, os órgãos executivos de trânsito deverão fiscalizar os estabelecimentos. Além disso, todas as peças ou conjunto de peças cujo destino seja reutilização ou sucata deverão ser registradas em um banco nacional de dados, que será gerido pelo Departamento Nacional de Trânsito (Denatran).
A empresa de desmontagem deverá, ainda, emitir nota fiscal de entrada do veículo assim que recebê-lo, e os carros só poderão ser desmanchados depois de expedida a certidão de baixa do registro perante os detrans. O veículo deverá ser totalmente desmontado ou receber modificação que o deixe sem condição de voltar a circular. Feita a desmontagem, a empresa terá cinco dias úteis para registrar, no banco de dados, as peças destinadas à reutilização, inserindo informações cadastrais que serão determinadas após normatização a ser feita pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran). O Contran, inclusive, deverá estabelecer critérios de segurança, a fim de definir que peças poderão ser reaproveitadas.
CRIME “A lei alcança objetivos importantes, e acho que o primeiro é em relação à segurança. O latrocínio (roubo seguido de morte) hoje é a principal causa de morte urbana no Brasil. Como os veículos têm muita tecnologia embarcada, os bandidos preferem roubar do que furtar e a qualquer sinal de reação do motorista atiram. Mas como a desmontagem terá que seguir requisitos importantes de identificação, deverá haver redução nesse tipo de crime”, pondera o diretor da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg), Neival Rodrigues Freitas, ressaltando que, conforme dados da Secretaria de Segurança Pública, ano passado foram furtados/roubados no Brasil cerca de 470 mil veículos, tendo sido recuperada apenas a metade (234 mil), sendo o destino da maioria dos não recuperados os desmanches ilegais. Ele acrescenta que, como consequência da redução do furto/roubo, estaria também a redução no preço dos seguros.
Para o delegado Adriano Assunção, chefe da delegacia de Furtos e Roubos de Veículos de Belo Horizonte, o texto é bom e a lei contém artigos interessantes , desde que efetivamente aplicados. Segundo ele, o credenciamento das empresas de desmanche junto aos detrans, assim como a exigência de emissão de nota fiscal dos veículos a serem desmontados, gera um importante tipo de controle. Mas o ponto principal está no banco nacional de dados. “Esse banco ainda vai ser regulamentado pelo Contran, mas para a atividade policial é o mais importante, pois quando o veículo é desmanchado a maioria das peças não tem nenhum tipo de numeração ou identificação, o que é a grande dificuldade hoje. Esse banco com o cadastro das peças vai facilitar a atividade policial”, afirma.
Procurada pela reportagem, a assessoria do Denatran/Contran afirmou que o departamento ainda não avaliou o impacto da lei.
CONCORRÊNCIA Para quem já trabalha com desmanche de veículos e revenda de peças de forma regular, a lei também vem em boa hora. “Para a gente que trabalha regular, acho que vai melhorar, pois tem muita gente irregular”, afirma Helvécio Batista de Miranda, do Desmanche Peças Usadas. “Quando saiu a lei em São Paulo, achei ótimo e fiquei pensando quando chegaria aqui. Estou no mercado há 36 anos, e somos muito prejudicados pela concorrência desleal”, afirma Arthur Souza Rocha, do Mundo dos Rolamentos. Ele conta que só compra carro de leilão e todos já entram devidamente baixados. Além disso, a empresa de Arthur já toma cuidados ambientais, como a coleta e o armazenamento do óleo descartado.
Palavra de especialista
Meio ambiente e remanufatura
Francisco Satkunas
diretor conselheiro da SAE Brasil
“Acompanho o assunto há alguns anos, desde que a indústria automotiva ensejava a reciclagem de veículos, o que não aconteceu. É interessante, mas tão importante quanto se ter o controle de procedência das peças é ver como serão as formas de descarte de alguns elementos nocivos à natureza. Por exemplo, o chumbo presente nas baterias, que, se exposto, pode contaminar a terra e consequentemente os mananciais. Além dos diversos fluidos, óleos, que são um risco ao meio ambiente. Agora, outra coisa interessante é a abertura que se dá para a remanufatura das peças: a peça usada volta para o fabricante, passa novamente pelo processo produtivo e é carimbada como remanufaturada, ficando cerca de 30% mais barata, uma opção para quem não pode comprar a original. E isso poderia acontecer com peças provenientes de desmanche. Por fim, o rastreamento das peças pode facilitar a localização de carros roubados. Isso deve ser incentivado. Mas tem que haver fiscalização, e com uma corregedoria robusta, para que essa fiscalização não sucumba a nenhum tipo de tentação, pois sabemos que se trata de um comércio grande”