Quem viaja pelas estradas do Brasil, muitas vezes nem faz ideia do risco que corre ao trafegar próximo a caminhões e ônibus em péssimo estado de manutenção e conservação. Boa parte da frota está velha e em más condições e, se fosse submetida a uma inspeção de segurança, certamente seria reprovada. E o pior é constatar que muitos defeitos poderiam ser corrigidos com serviços de baixo custo. Mas alguns caminhoneiros preferem apelar para as gambiarras, colocando em risco a própria vida e a de terceiros.
O consultor em gestão de frotas e instrutor do Senai, Alberto Vidal Guimarães, revela ficar impressionado ao entrar debaixo de certos veículos de carga, que são ferramenta de trabalho e ganha-pão de muitos. "Deparo-me com certas aberrações que não tem como deixar de ficar perplexo", revela. O desleixo praticado por muitos pode provocar graves acidentes e, na maioria das vezes, passa desapercebido pela fiscalização nas estradas. Alberto cita alguns exemplos que podem ser constatados na frota nacional de caminhões.
PREGO
Em um dos caminhões analisados pelo instrutor do Senai foi constatado o uso de um prego para fixar a barra de direção, que estava com a rosca da porca espanada. De acordo com Alberto, tal situação revela o risco eminente de soltar a barra de direção, deixando o veículo desgovernado. E, para substituir o componente danificado, o proprietário do veículo gastaria cerca de R$ 80.
SOLDADA
Em outra situação, a barra curta da direção foi cortada no maçarico, para soldar uma ponteira móvel no lugar onde trabalha uma fixa. Da mesma forma que na situação anterior, o veículo corre o risco de perder a direção. Uma barra nova pode custar de R$ 190 a R$ 500, dependendo do veículo. Mas o caminhoneiro paga em média R$ 70 para soldar a ponteira. É o barato que pode sair caro.
CÂMARA DE AR
Um dos casos mais incríveis analisados por Alberto ocorreu com um caminhão Mercedes-Benz 1938, com 30 toneladas de carga. A ponteira da barra longa da direção se soltou na estrada e, por um milagre, não aconteceu um acidente. Para resolver o problema e prosseguir a viagem, o caminhoneiro usou pedaços de câmara de ar para prender a ponteira. O custo do componente no mercado de peças é de R$ 90.
ALUMÍNIO
A gambiarra não tem limites e, em alguns casos, os caminhoneiros recorrem a soluções caseiras para resolver pequenos problemas. Para consertar um farol com o bojo desgastado, sem brilho, o recurso foi o uso de papel alumínio, para driblar a fiscalização e ficar livre da multa. O preço médio de um farol é R$ 95.
CANO NO CHASSI
Para limitar o curso da suspensão, pois, em descidas íngremes, o caminhão estava abaixando a frente, o recurso foi soldar um cano no chassi. O problema poderia ter sido solucionado de forma mais segura com a substituição dos dois amortecedores, que custam R$ 270, com mais R$ 160 da mão de obra para o reparo do feixe de molas, totalizando R$ 430.
SEM ROSCA
Alberto analisou um caminhão que estava com a porca da trava da haste do freio traseiro sem fixação no tirante, que já não tinha mais rosca. Para resolver o problema, basta a troca do tirante, por R$ 29.
FREIO QUEBRADO
No último veículo vistoriado, o instrutor do Senai encontrou o tubo do suporte do eixo S do freio traseiro quebrado. Tal situação deixa a roda com o freio isolado, comprometendo a eficiência do sistema. O custo aproximado do tubo do eixo S pode variar de R$ 80 a R$ 140, dependendo do modelo da carreta.
Ao constatar tantas irregularidades na manutenção dos caminhões, Alberto mostrou-se preocupado e levantou uma questão: "Por que será que, para os veículos de transporte urbano de passageiros, são feitas vistorias mais rigorosas e, no caso dos veículos de carga, vale tudo?" A verdade é que o transporte de cargas no Brasil é cercado por mistérios que ninguém sabe explicar, como a falta de balanças nas estradas para conferir o peso dos veículos. Quanto à manutenção dos caminhões, só resta esperar que um dia a inspeção de segurança seja colocada em prática e que a banda podre da frota seja recuperada ou retirada de circulação.