Motorzinho é para dentistas. Essa frase poderia fazer parte do epitáfio de qualquer apaixonado por motores V8. Um clube que inclui dois irmãos de Belo Horizonte: o músico Ivan, 30 anos, e o empresário Fernando Resende, de 33, donos de um Ford Maverick e um Dodge Charger R/T, ambos 1976. Eles são daqueles que se perdem ouvindo o gorgolejar vigoroso desses motorzões em marcha lenta. Embora fiel, o namoro não começou com esses dois modelos. Sabe paixão à primeira vista? Foi assim com eles quando se depararam com o primeiro Dodge, em 1992, época em que Fernando tinha 14 anos e Ivan somente 12. Era um Charger R/T 1977 laranja, estacionado no Bairro Floresta, que depois descobririam ser do Lincoln Cheib, baterista do Milton Nascimento, corredor e apaixonado por muscle cars. Lincoln riu quando foi interpelado pelos garotos, que o esperaram na calçada e depois propuseram comprar o carro. Mas levou os guris a sério e serviu de guia no mundo dos oitões.
Quando se é adolescente, paixões começam e terminam rápido. Logo procuraram outro carro para comprar. Foi-se tudo, incluindo outras paixões fugazes: venderam jogos eletrônicos e pediam presentes em espécie. Bastava, já que alguns modelos eram vendidos por ninharias, R$ 2 mil ou R$ 3 mil, pelo menos 10 ou 20 vezes menos que hoje. Fernando lembra do primeiro símbolo desse envolvimento, um emblema original do Charger R/T comprado em um ferro-velho. Em 1996, após entrarem em contato com proprietários e mecânicos, acharam um Dodge Magnum 1979 pedindo para ser levado para casa.
FIAT-CHRYSLER
A consumação, contudo, só viria após alguns anos. Menores de idade, os garotos andavam no bólido com o pai ao volante. Não arrefeceu o entusiasmo deles, que logo trocaram o Magnum por um Dart cupê 1976. Até que, finalmente, Fernando tirou carteira e passou a levar Ivan como co-piloto, na época em que criaram também o site Dodge News. Em 1997, finalmente compraram um Charger R/T em Rio Paranaíba, Região do Alto Paranaíba, quase perfeito. Lembra do emblema? Era justamente aquele que faltava no modelo! Até a carreira de Fernando foi influenciada. Durante um tempo ele fez engenharia mecânica e chegou a estagiar na Fiat. “Colei até pôsteres de Dodges na parede”, lembra ele, que de certa forma antecipou de certa forma a aliança Fiat-Chrysler. Em 2002, com a saída da Chrysler do Brasil e o fim da produção do último modelo nacional de oito cilindros, a caminhonete Dodge Dakota R/T, Fernando desistiu da carreira e virou empresário.
O Charger foi o carro de uso diário até 2007, quando foi restaurado e ficou no estado que vocês podem ver. Mas como dois adolescentes conseguiam pagar a gasolina exigida pelo voraz motor 5.2? Eram sócios do posto de gasolina? Mais ou menos. O pai deles fazia serviço de contabilidade para um posto e recebia em vale-combustível. Atualmente, como é? “De vez em quando a gasolina acaba”, Ivan admite rindo. Um mundo perfeito que incluiria outros oito cilindros. Ivan chegou a ter um Chevrolet Opala seis canecos, mas para ele não foi a mesma coisa, e logo passou a um Chevrolet Chevelle Malibu cupê com motor small block 307, o pequeno V8 5.0. Porém, o avantajado ianque logo deu lugar ao nacional Ford Maverick GT 302 (5.0), 1976. Veio de caminhão do Rio Grande do Sul e logo precisou de reparos no motor, que deu trabalho até ser trocado. Do V8, tudo se aproveita e o antigo bloco em V virou uma mesa de centro cujos cilindros servem como nichos para garrafas de champanhe.
RIVALIDADE
Uma paixão chama outras, e eles montaram uma garagem especial no Bairro da Graça, com direito a mezanino e decoração inspirada nas máquinas. Os dois cupês eram rivais de época e têm maior taxa de compressão, comando de válvulas mais bravos e carburador Holley Quadrijet, mantendo suspensão, freios e tudo mais originais. O Dodge tem câmbio automático de três marchas e rende perto de 300cv, enquanto o Maveco com câmbio manual de quatro velocidades fica em 250cv. Na época, o Charger era o nacional mais rápido, chegando próximo dos 200 km/h, mas o Maverick levou a melhor nas pistas. O assunto é segredo, mas Ivan diz que o Maveco ganha do Charger nas arrancadas.
BUMBO
Lincon Cheib ainda influenciaria os rapazes em mais uma dica: foi ele que ensinou a Ivan como levar os instrumentos no porta-malas raso do Maveco. “Basta tirar o estepe do seu berço para conseguir encaixar o bumbo ali”, revela Ivan, que utiliza o cupê como carro oficial da sua banda, Free Hendrix. Os carros fazem sucesso, tendo feito até ensaios fotográficos. Nas ruas, toda hora alguém puxa assunto sobre eles. Bastou pisarmos na calçada onde o Charger estava parado para um senhor que passava exclamar. ‘Quem é dono do carro está de parabéns. Tinha um desse e andava muito!,’ afirmou entusiasmado, completando ao se afastar: “Vende por quanto?” Será que eles não pensam em trocar por um carro mais moderno? Sim, Fernando agora espera trocar a picape por algo mais ao seu gosto, um Ford Mustang GT, para não trair a paixão pelas polegadas cúbicas.