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O metal como tela

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A ligação entre os automóveis e o grafite fica clara em paredes de oficinas e lojas multimarcas, que, não raro, recorrem aos artistas para dar aquela incrementada no visual do estabelecimento. Mas o elo entre a arte e o metal vai além disso, como bem prova o gênio criativo de Helbert Lourdes de Oliveira, que assina como Rondas. O rapaz de Santa Luzia é o criador da coleção de 13 peças que mesclam componentes de automóveis e arte do grafite. O acervo será exposto de amanhã ao dia 15 no Centro Cultural da Concessionária Volkswagen Recreio, que pretende levar a iniciativa às outras 56 lojas do grupo Líder.

PINTANDO

Com 22 anos, Helbert diz que pinta desde os 18 anos, mas começou a desenhar já aos 13 anos. “Tudo que eu via era referência e desenhava em qualquer lugar. Podia ser uma folha pautada de caderno ou um papel de pão. Eu não precisava de uma folha de ofício”, ressalta Helbert. O que seria dificuldade se transformou em liberdade. “Nunca fiquei preso a um tipo de suporte”, completa. Suporte, na linguagem artística, nada mais é do que o material no qual será feita a arte. E como o talento foi descoberto? Por incrível que pareça, foi em uma entrevista de emprego para porteiro na Recreio BH. “Quando ele falou na entrevista que era grafiteiro, falei: vamos ver se você sabe grafitar. Tenho três latas de spray e quero que você pinte umas peças”, relembra Alessandro Romano, gerente de Serviços da Recreio BH, que já procurava um artista para fazer o trabalho. “Na mesma hora vi que ele era diferente”, lembra. Veio em boa hora. “Eu já estava desistindo da arte quando tudo aconteceu”, comemora Helbert.

FUSCÃO

A “tela” acabou influenciando o tipo da pintura. Como é o caso da obra em um Fusca bem ao estilo cartum. “Eu gosto do Fusca, é um carro chique para os grafiteiros, que curtem modelos mais alternativos”, explica Helbert. O clássico grafitado no capô de um Fox é o único automóvel que aparece por inteiro nas obras, o que dá a medida do gosto.



PEÇAS

Não foi difícil encontrar objetos para servir de suporte. A própria concessionária supriu um grande lote de portas, tampas de porta-malas e capôs dos modelos reparados na casa. Para fazer o serviço, foram cerca de 10 dias. “Foi algo inovador porque o suporte foi diferente”, diz Helbert, que antes concentrava a sua arte em viadutos, a grande maioria em Santa Luzia mesmo. A arte, que ainda é vista como marginal, costuma ser aceita primeiro pela classe média mais instruída. “As pessoas que eu queria que entendessem ainda enxergam o grafite como uma vagabundagem”, lamenta o artista, que deseja despertar a consciência e capacidade de questionamento diante dos temas sociais das obras.

CONSUMO

O artista ressalta também que quer ver a sua obra sendo “consumida”. As aspas tem uma razão. É que Helbert enxerga o consumo como algo além da comercialização. É a apreciação que ele busca, sem a necessidade de compra. “Daí o fato de o grafite ser normalmente feito na rua, uma galeria a céu aberto.” O consumismo por si só é combatido pelo jovem, que dedicou uma das telas feitas sobre o capô de um Golf ao assunto. Nela, uma mulher tem a cabeça envolvida por máquinas. “Ela acha que está consumindo, mas são as coisas que a consomem. As máquinas informam algo agressivo”, explica Helbert.

SOCIAL

A violência social é demonstrada pela figura de um macaco armado, que se expressa com a sua arma. Uma maneira de retratar a evolução às avessas, segundo o próprio artista.







Da mesma forma, outra peça exibe dois garotos de realidades distintas, um desfavorecido e outro de classe média, separados pelo abismo da educação, o principal problema social nas palavras de Helbert.







RETRATO

O grafiteiro ressalta que sempre pintou tudo o que viu ou vivenciou. Por isso mesmo, duas telas retratam ele próprio de alguma forma. Uma em particular exibe um ser humano que, sem saber pensar e se expressar com maior clareza, só consegue produzir “bolhas verdes”, sem se fazer também entender. A outra, de um tucano em meio ao céu azul pintado no para-lama de um Gol, representa a felicidade e o prazer por algo que é gratuito. O estado de espírito que ele sentia no momento, com esperanças renovadas. Coisa para quem tem sonhos como Helbert, que planeja cursar uma faculdade de artes plásticas. E o emprego? Claro que Helbert ficou com a vaga.

CONFORMISMO

A imobilidade diante dos problemas também é explorada em grafite feito na tampa do porta-malas de uma SpaceFox. Nela, os quatro olhos representam pessoas que ficam apenas olhando, no escuro, sem fazer nada. Não é a única que critica a falta de ideias e motivação próprias.





Outra peça, feita na porta de um Fox, mostra uma cabeça com uma árvore seca à guisa de cabelo, sem florescer nada além de uma simples casa.

Serviço
Espaço Cultural da Recreio BH - Avenida Barão Homem de Melo, 3.535, Bairro Estoril, BH. Informações: (31) 3319-9000. Entrada franca.