A falta de regulamentação do artigo 32 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) deixa dúvida: por qual período, o fabricante ou fornecedor é obrigado a manter peças em estoque, depois de finalizada a produção do veículo? A resposta, que deveria estar no parágrafo único, é mais do que vaga: "Por período razoável de tempo, na forma da lei". Não há esclarecimento algum sobre o que seria esse período razoável, e, muito menos, lei que regulamente esse quesito. Assim, proprietários de veículos que já deixaram de ser fabricados ficam à mercê da vontade dos fabricantes e/ou da interpretação dos tribunais, que nem sempre são razoáveis.
"Quando se diz 'na forma da lei' significa que deverá vir uma lei para regulamentar o dispositivo, o que, no caso do artigo 32, até hoje não existe. Mas, como é uma norma pública de interesse social, os tribunais entendem que o tempo razoável seria de, no mínimo, 180 dias depois de cessada a fabricação, o que, para veículos, não faz sentido, pois ficam 10 anos ou mais no mercado, depois que deixam de ser produzidos", afirma o advogado Gustavo Americano Freire, especialista em direitos do consumidor. "Nessas situações, o critério adotado deve ser o da vida útil do produto", continua.
Gustavo acrescenta que o interesse do consumidor em conseguir uma peça para determinado veículo, embora seja individual, se enquadra no que o CDC considera como interesse individual homogêneo, pois todos os outros proprietários desse produto poderão ser prejudicados pela falta da mesma peça. E, nessas situações, é possível que órgãos como o Ministério Público ou associações que atuem em defesa do consumidor (além de órgãos da administração pública e própria União) entrem com ação civil pública, questionando o fabricante ou importador. Ele afirma que também é possível recorrer judicialmente de forma individual, mas ressalta que as ações coletivas têm surtido mais efeito.
Outro problema sério é quando o fabricante ou importador fecha as portas e deixa o país. A advogada do Procon municipal Simone Romeiro Mançur explica que normalmente esses casos dependerão de análise judicial. Pode ser identificado algum representante da empresa ou, em último caso, recorrer à pessoa jurídica que vendeu o veículo, que, somente nesses casos, teria responsabilidade sobre as peças.
Durabilidade
Com relação ao prazo em que as peças devem estar disponíveis, Simone acrescenta que, como não é definido por lei, para um produto de durabilidade maior, cinco anos poderia ser considerado um tempo razoável, mas ressalta que os produtos não são iguais e que cada caso requer análise. Para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), em relação a automóveis, esse prazo não poderia ser inferior a 10 anos. No entanto, se consumidor e fabricante/importador não chegarem a um acordo, fica a decisão a cargo da Justiça.
Simone Mançur lembra, ainda, que muitas vezes o problema ocorre enquanto o veículo é produzido, principalmente o importado. Isso porque o artigo 32 também não define prazo para o fornecimento da peça enquanto o produto está em fabricação, apenas diz que a oferta deve ser assegurada. "Os prazos pedidos para as peças chegarem são maiores e o consumidor fica com o problema, às vezes com o carro parado, dependendo da peça para o reparo", diz. Foi o que aconteceu com a proprietária de um Hyundai Tucson 2.0, que preferiu não ser identificada. O carro foi comprado, zero quilômetro, em novembro do ano passado e, já no mês seguinte, começou a apresentar problemas de trepidação de marcha. A peça foi pedida e a proprietária não teve retorno algum, até a última quarta-feira, quando soube, finalmente, que o componente havia chegado.
Simone Mançur observa que, nos casos em que o veículo ainda está no prazo de garantia, o problema deixa de ser a falta de peças para ser de garantia. "Nessa situação, o artigo 18 do CDC é claro e prevê prazo de 30 dias para o problema ser solucionado. Caso contrário, pode-se pedir a troca do produto; a devolução da quantia paga, atualizada; ou o abatimento proporcional no preço", especifica.
Orientação
Em quaisquer das situações, o Procon pode interceder, buscando acordo com o fabricante/importador. Simone aconselha que o consumidor, em primeiro lugar, entre em contato com os serviços de atendimento ao cliente da empresa reclamada, anotando o protocolo. Em seguida, deve ser combinado prazo para o fornecimento da peça, de preferência, por escrito. Se descumprido, é o momento de se procurar o Procon ou Juizado Especial para abertura do processo, quando pode ser negociado, inclusive, o empréstimo de outro veículo até a solução do problema.
O que diz o Código de Defesa do Consumidor
Artigo 32. Os fabricantes e importadores deverão assegurar a oferta de componentes e peças de reposição enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto.
Parágrafo único. Cessadas a produção ou importação, a oferta deverá ser mantida por período razoável de tempo, na forma da lei.