Que o design automotivo foi largamente influenciado pelo mundo da aviação, muitos sabem. No boom do pós-guerra, as máquinas aéreas dominaram as ruas e influenciaram elementos como as barbatanas dos grandalhões americanos. Mas o mundo automotivo, como não poderia deixar de ser, também foi e é referência para outros transportes, especialmente os barcos.
RABETA Achou a lancha Corvette demais? A partir da década de 1950, quando a fibra de vidro tomou conta e os barcos de lazer se massificaram, pequenas lanchas de estaleiros, como o norte-americano Chris Craft, passaram a se inspirar em automóveis. Basta ver as barbatanas brotando na Silver Arrow 1957, de 19 pés. Até na pintura saia e blusa: a Continental 21 pés do mesmo ano se inspira em um reluzente Chevrolet Belair. As capotas passaram a imitar a linha delgada dos cupês de então. Com a evolução das capotas, a Glastron Carlson Scimitar 23 T-Top sedã, de 1983, já veio com teto targa e jeitinho de cupê esportivo.
CORVETA O elo não poderia ficar mais claro do que na Corvette Sport-V, lancha criada pelo estaleiro americano Malibu há três anos. As lanternas duplas são, na verdade, saídas de escapamento. Tudo para não sufocar o V8 LS7 de 7 litros, que equipa a versão Z06 (outra homenagem) e gera mais de 500cv sem venenos. Já dá para chegar próximo aos 100km/h. A Malibu fez questão até de recriar os vidros laterais retráteis, normalmente fixos em embarcações, além do interior. Tem até reboque com rodões iguais aos do carro e pneus de perfil baixo. Nada mais justo para um carro que leva o nome do navio de guerra criado no século XVII como embarcação menor e mais ágil do que uma fragata.
CORAÇÃO Falando em Chevys, o motor do Corvette bate forte na popa não apenas das lanchas da Malibu Boats, como em outras embarcações – devidamente marinizado. É o exemplo da Destroyer 40, feita pela Force One no Guarujá, a lancha mais rápida do Brasil. Em teste realizado pela revista Náutica, a lancha offshore (feita para cruzar em elevadas velocidades o alto mar) ultrapassou os 160km/h. Mérito dos dois V8 preparados pela Teague Marine para gerar juntos cerca de 2.000cv. Outros motores automotivos já fizeram a mesma ponte, como acontecia com os seis cilindros do Opala, para ficar em casa.
DETROIT Se durante a Segunda Guerra todos os fabricantes colaboraram construindo de jipes a aviões ou barcos, a Chrysler foi a mais bem-sucedida em tempos de paz. A partir dos anos 1960, a marca construiu pequenos barcos na faixa de 20 pés, que eram até vendidos com os mesmos nomes dos seus carros, o que fazia mais sentido no caso do Barracuda, nome de um peixe agressivo cheio de dentes afiados.
DESIGN Embora tenha sido criada em 1849, a italiana Riva se tornou famosa mundialmente depois de 1965, quando lançou a Aquarama. A runnabout já nasceu com espírito esportivo, que a fez ser comparada de pronto às Ferraris, além do cuidadoso acabamento artesanal com arremates cromados e até mesmo um belo volante com aro para a buzina. "Você poderia combinar Aston Martin, Ferrari e Roll-Royce e ainda ficaria a meio caminho (da Aquarama)", sentenciou Jeremy Clarkson, que elenca a lancha entre as mais importantes máquinas já criadas. Talvez por isso mesmo a marca e a Ferrari tenham se unido para criar a Riva Ferrari 32, offshore (lancha criada para voar baixo em alto mar), que apareceu em 1989, com desenho que evocava a Testarossa nas entradas de ar e os monopostos de F1 no aerofólio (vá lá, targa). Além da cor vermelha e do motor V8, capaz de levá-la aos 100km/h. Foram feitas apenas 40.
O estúdio da rival Porsche já desenhou várias lanchas, incluindo a Fearless 28. Faz justiça ao nome (destemida, em inglês), graças ao motor V10 do Dodge Viper de 557cv, que já a leva além dos 130km/h.
TECA É claro que os barcos não apenas são influenciados, como também influenciam os automóveis. Principalmente os mais requintados. Basta olhar com atenção para alguns carrões de marcas de luxo, como esse Rolls-Royce Phantom Drophead Coupé, para ver arremates em madeira que imitam a padronagem da teca que reveste o convés de lanchas e veleiros. O cordão umbilical fica claro em modelos especiais, como o Range Rover Autobiography, exibido no Salão de Nova York deste ano, que usa teca no porta-malas e não dispensa nem o tratamento antiderrapagem do material. Nem o Defender 90 deixou de lado essa fantasia de marinheiro. Pois é, o aventureiro sessentão tem dessas vaidades também, como prova a versão customizada Yachting Edition apresentada no Salão de Essen em novembro, que vem com piso de madeira e revestimentos em azul-marinho com costuras brancas.
EXCENTRICIDADE Já notou a grande quantidade de megaiates que sempre está ancorada próxima das ruas de Mônaco nos Grandes Prêmios? O principado é famoso pela ligação náutica. Então, porque não criar um barco que imitasse esse ambiente? É o que pretende o The Streets of Monaco (ruas de Mônaco em bom português), projeto da Superyacht Design que recria no seu convés as ruas de Monte Carlo. Sem problemas de espaço, já que o megaiate tem 155 metros ou 508 pés, o suficiente para heliporto, praia artificial com areia e tudo e mais. Mesmo com tanto espaço, os monopostos de Fórmula 1 não podem disputar uma corrida, sendo substituídos por karts.
MATRIOSKA Se carros e barcos tem tudo a ver, porque não projetar um em junto com o outro? Talvez tenha sido esse o espírito da Strand Craft ao criar o seu iate de 122 pés, que vem com uma garagem embutida na popa que abriga um superesportivo V12 capaz de ir além dos 370 km/h - em teoria. Já o iate passa dos 100km/h, a despeito dos seus 38 metros. O carro vem de brinde, basta pagar os 17 milhões de euros pedidos pelo barco.