Depois de se envolver num engavetamento, o carro da comerciante Sandra Lúcia da Cruz saiu com avarias na parte da frente e de trás. A seguradora Liberty, contratada pelo proprietário do veículo que ocasionou a batida, indicou uma oficina, mas como Sandra não gostou do estabelecimento, acabou levando o veículo para casa, onde percebeu que o carro estava todo torto. O veículo seguiu para outra oficina, onde foi dado um orçamento, aprovado pela seguradora. Desconfiada se o carro ficaria realmente em condições de rodar, a proprietária decidiu contratar perícia independente.
Caso parecido aconteceu com a supervisora administrativa Lilia Cristina de Morais, cujo veículo sofreu uma batida na lateral direita e seguiu para uma oficina. “Informalmente, o pessoal da oficina já tinha falado que o conserto não iria ficar 100%. Notei que eles tratavam o assunto com algum constrangimento e fiquei desconfiada”, recorda Lilia. O fato de a seguradora contratada por Lilia (que pediu para não identificá-la) ter demorado mais de um mês para autorizar o conserto aumentou suas desconfianças, quando também resolveu consultar peritos independentes para saber se o carro ficaria seguro.
Em ambos os casos, os peritos desaconselharam os reparos nos veículos. De posse do laudo, Lilia conseguiu na seguradora obter a perda total do seu veículo. Já Sandra, que não obtinha qualquer resposta da Liberty, precisou recorrer à Superintendência de Seguros Privados (Susep) para que fosse indenizada em R$ 14 mil, que era o limite contratado para “terceiros” pelo proprietário do veículo que originou a batida. Por fim, Sandra entrou em acordo com este proprietário e recebeu mais R$ 7 mil.
A seguradora contratada por Lilia informou que, por contrato, a perda total é decretada quando os danos atingem 75% do valor do veículo. Nesse caso, os reparos foram fixados em 36,6%. De acordo com nota da seguradora, as peças avariadas poderiam ser substituídas por novas e a reparação seria perfeita. Porém, conjugando a satisfação da cliente e a boa possibilidade de venda desse veículo salvado, a seguradora optou por indenizar o segurado de forma integral.
Em nota, a Liberty se limitou a dizer que, de acordo com a perícia técnica realizada pela seguradora, o veículo de Sandra sofreu Perda Parcial depois da colisão e que toda perícia realizado pela seguradora é feita por técnicos especializados e em conformidade com as normas e padrões de qualidade e segurança. “Não vou ficar com esse carro, que é inseguro, mas ao mesmo tempo não posso ter prejuízo. Vou ter que vendê-lo. Vou contar toda essa história para quem quiser comprar, mas não posso me responsabilizar caso alguém queira arrumar o carro para usar ou vendê-lo”, explicou Sandra.
DE VOLTA
O fato é que, em breve, esses dois veículos, reprovados pela perícia técnica independente, estarão nas ruas. De acordo com o engenheiro mecânico Guilherme Rodrigues, da consultoria técnica automotiva Confiar, os veículos que sofrem danos em partes estruturais (longarinas, caixas de roda, colunas, etc.) devem ter as peças substituídas por outras novas e o reparo deve ser executado conforme os procedimentos definidos pelo fabricante, utilizando-se assim a técnica correta. A grande questão é: isso é financeiramente viável? De acordo com o engenheiro, o conserto da parte estrutural do carro usando as técnicas corretas é caro, fator que torna essa conta difícil de ser fechada. “O prejuízo fica para quem compra um veículo salvado”, avalia.
De acordo com a Susep, o fato de um veículo ser considerado perda total não significa que o carro está inutilizado, mas que o valor do conserto supera o limite máximo de 75% do valor do veículo. Dessa forma, nada impede que esses veículos sejam vendidos como sucata ou consertados, voltando às ruas como um veículo salvado. Porém, a autarquia conta que é responsável pela fiscalização e normatização, não atuando tecnicamente no setor de seguros, papel que teria que ser feito por uma perícia judicial.
OFICINAS Consultamos algumas fontes do setor de lanternagem e pintura para saber se as seguradoras interferem nos serviços das oficinas para deixar o orçamento dentro desses 75%, o que as favoreceria, pois não pagariam o prêmio total do segurado, mas também seria de interesse das oficinas, que ganhariam o trabalho. Essas fontes não quiseram se identificar. De forma geral, eles contam que recebem pouco, cerca de 1/3 do valor pago às concessionárias, mas que dependem das seguradoras porque estas respondem por 95% da demanda. Obviamente, nenhuma oficina conta explicitamente que realiza serviços que comprometem a segurança do veículo, mas admitem que as seguradoras interferem no orçamento. Uma delas afirma que algumas seguradoras já chegam admitindo que só podem gastar “tal” valor para esse serviço.