Carros mais leves, mais econômicos e mais seguros. Parecem promessas de departamento de marketing, mas essa conjunção já é possível na Europa e em outros mercados desenvolvidos graças ao uso de materiais sofisticados. E não se tratam de soluções mais caras, como alumínio, magnésio ou fibra de carbono, e sim de aços especiais. Mesmo sendo uma alternativa mais acessível, eles têm pouca aplicação no Brasil. “A viabilidade do uso de um material está totalmente atrelada ao projeto. Se ele nasceu para a leveza, não terá apenas a aplicação de aço, mas se é um projeto de popular ou de mercado emergente, a tendência é seguir pelo custo”, afirma Marco Colosio, coordenador de pesquisa e desenvolvimento da General Motors.
Não são poucos os tipos de aço, ao ver um quadro com todas as ligas possíveis têm-se a impressão de se olhar para uma indecifrável tabela periódica. Fica mais fácil de entender ao olhar o diagrama de uma estrutura moderna, na qual os diversos materiais são evidenciados por cores diferentes. Só que no Brasil esse diagrama é um pouco mais cinzento. É que aqui o aço convencional carbono ainda domina a cena. Lá fora, mesmo entre os modelos mais sofisticados, a exemplo do novo BMW Série 5, o uso de aços diferentes é dominante, sendo que o alumínio responde mais pelas peças de estamparia. É o conceito mais barato de multimaterial. “Já vimos na Europa carros acessíveis integralmente em alumínio, como o Audi A2, mas o pessoal está recuando na aplicação extensiva”, analisa Carlos Henrique Ferreira, engenheiro e diretor de imprensa da Renault. São três os tipos de aço mais aplicados entre os de ultra e alta resistência: o high-strength low-alloy steel (HSLA), o ultra high strength steel (UHSS) e o aço do tipo boro (boron, em inglês).
AQUI Nomes que fazem menos sentido aos brasileiros, porém que garantem melhoras importantes na carroceria, garantindo mais segurança sem aumentar muito o peso nem o consumo, coisa que reforços estruturais em aço de carbono não conseguiriam. Isso é necessário nos mercados europeu e norte-americano, onde as exigências de consumo (e emissões) andam atreladas às de segurança, muito mais rígidas que no Brasil. “No nosso caso tem que ser exigido por legislação, porque o consumidor não liga para segurança como deveria. A demanda poderia aumentar por causa de emissões, que poderiam exigir carros mais leves. Atualmente, na maioria das vezes, os fabricantes tropicalizam os materiais”, lamenta Mariana Perez de Oliveira, engenheira de desenvolvimento de mercado da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM). “Alguns projetos não atendem os requisitos de segurança que passarão a valer a partir de 2014, mas não procuramos olhar para os menos adequados”, relativiza Ed Juarez Mendes Taiss, engenheiro de produto da Usiminas.
Enquanto na Europa tais materiais são indispensáveis para a sobrevivência no mercado, aqui os fabricantes ainda engatinham. A Fiat afirma que usa aços Ultra High Strength Stell (UHSS) em alguns modelos e o High-Strength Low-Alloy Steel (HSLA) em toda sua gama, contudo sem revelar os pontos ou percentuais em que são utilizados em cada um dos carros. De acordo com a marca, aços mais sofisticados como o do tipo boro são restritos entre os nacionais ao Bravo, que se vale do material apenas na coluna B (central). No exterior, a Fiat e a Arcelor Mittal apontam que o médio tem 4% aço do tipo boro. O contemporâneo Fiat 500 polonês já se valia de 7%, enquanto o pequeno Alfa Romeo MiTo lançado em 2008 eleva o percentual desse aço para 16%.
“Aço de alta tecnologia talvez ainda não tenha grandes exemplos, aplicações de larga escala. Vai para um aço mais tradicional”, diz Carlos Henrique Ferreira, da Renault. O atraso será maior se forem considerados aços mais modernos como os do tipo transformation induced plasticity (Trip), que permite melhor equilíbrio entre resistência e de ductilidade, a capacidade de um material se deformar antes de fraturar, essencial para dissipação de impactos. “Faço parte da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e lá fazemos as normas em conjunto com as siderúrgicas. Em relação aos materiais Trip, ainda nem começamos a discutir, acho que estamos caminhando lentamente para chegar ao ponto do Estados Unidos e Europa”, revela Marco Colosio da General Motors. Segundo o engenheiro, tais materiais ainda não estão disponíveis em larga escala no país, o que leva a Chevrolet a importar conjuntos prontos de peças em modelos como o Cruze, e mesmo que as usinas afirmem que têm condições, isso é mais uma estratégia dos departamentos de marketing. “Se tivermos demanda, eles fazem, mas não temos demanda inicial, então a conta nunca se fecha”, completa Colosio.
SIMPLIFICAÇÃO E quanto à tropicalização, a simplificação de materiais, o que dizem os fabricantes? “Não se pode dizer que isso é comum. Até porque temos muito desenvolvimento local. Claro que há uma adaptação à tecnologia local, que pode ser feita por vários fatores”, afirma Carlos Henrique Ferreira da Renault. “A tropicalização acontece lentamente, essas plataformas globais têm esses materiais nos mercados de origem. Quando chegam aqui, um departamento começa a fazer a localização das peças e buscam adaptar com peças que atendam a função similarmente. Isso acontece diariamente, mas de maneira muito lenta”, admite Colosio da GM.
O caminho é lento, mas isso não tira esperanças, como exemplifica o novo Ford EcoSport. “Começamos a trabalhar com usinas brasileiras, como a Arcelor Mittal e Usiminas, há seis anos para trazer a tecnologia. Mas tem alguns como o aço utilizado nas colunas B (central) do tipo dual phase (duas fases) boro que ainda não temos capacidade nacional, pois tem uma resistência tão alta que só se consegue estampá-la a quente para se tornar mais mole”, adianta Luiz Zamorano, supervisor de integração de carroceria do EcoSport. Esse material vem de um fornecedor alemão, não revelado pelo fabricante por questões estratégicas. Mesmo sendo mais desenvolvido do que a média, o jipinho não utiliza a mesma proporção de aços como o boro em partes vitais, como a coluna A, o que o estrangeiro New Fiesta faz. Outro que vai manter as características estruturais de mercados mais sofisticados é a terceira geração do Focus, que chega ao mercado em meados de 2013. A diferença entre esse projeto e outros brasileiros é que o modelo foi projetado globalmente, para ser o mesmo em qualquer mercado – ainda que com diferenças mecânicas e de equipamentos. Até o bocal do tanque de combustível é feito para resistir a impactos, para não bombar nos crash tests exigidos na Austrália. Mais uma prova de que, para chegar a melhores projetos, as soluções caseiras não têm mais espaço.
Análise da notícia
No rastros dos importados
A mistura de diferentes materiais é tendência mundial até nos carros mais baratos. O novo Focus, compacto para o padrão europeu, tem 55% de aço de alta resistência, contra 69,5% do Audi Q5, de categoria superior. As regras de segurança e emissões tendem a achatar a diferença. Na Europa, o Volkswagen up! usa elementos sofisticados, como 8,1% de aço formado em alta temperatura, o que permitiu cortar 13kg – o modelo é 140kg mais leve que o antecessor, sem perder em segurança. Segundo fonte ligada à marca, a tecnologia estrutural será mantida no nacional, que chega ano que vem. No Brasil, estão disponíveis atualmente apenas os aços do tipo HSLA e os Dual Phase, de dupla fase. Por serem mais rígidos, esses materiais são mais difíceis de trabalhar e exigem ferramental especial, cujo investimento poderia ser forçado se a legislação fosse mais rígida. Junto aos itens de segurança obrigatórios, esse é o caminho para nacionais mais seguros, ainda que tardiamente (JC).