A festa já estava marcada e os convidados já haviam sido avisados. Afinal, não é todo dia que uma empresa comemora 70 anos de atividades em um país estrangeiro. Mas o que não estava nos planos era ter que suspender a produção em três fábricas exatamente no período festivo. Apesar disso, a Volkswagen conseguiu realizar uma grande festa no ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, para comemorar com seus funcionários os 70 anos no Brasil. Aproveitou o momento também para anunciar a chegada dos elétricos ID.4 e ID.Buzz, além de investimentos em novos produtos. Foram relembrados fatos importantes da história da marca no país, que traz a mancha do apoio à ditadura militar.
A grande festa armada no ginásio do Ibirapuera na noite da última segunda-feira (3) reuniu mais de 5 mil convidados, entre funcionários das fábricas da VW, concessionários, autoridades e a imprensa especializada. Do lado de fora, alguns modelos icônicos da marca, como a Brasília, foram estrategicamente posicionados para indicar aos convidados que uma viagem ao tempo estava para acontecer.
Do lado de dentro do ginásio, o casal que fazia o papel de mestre de cerimônia gritava a todos os pulmões, como verdadeiros animadores de auditório, estimulando a plateia a entoar o cântico: “Eh Volkswagen!”. Entrevistados, alguns funcionários deram depoimentos emocionados, enaltecendo os vários anos de serviços prestados à empresa que iniciou suas atividades no Brasil em 1959, com a inauguração da fábrica de Anchieta, em São Bernardo do Campo (SP), a primeira da Volkswagen fora da Alemanha.
Uma fase para ser esquecida
Mas nem todos os funcionários da montadora alemã têm motivos para comemorar, principalmente os que faziam parte dos quadros da empresa entre os duros anos de 1964 e 1985. De acordo com investigações realizadas pelo historiador Christopher Kooper, da Universidade de Bielefeld, na Alemanha, contratado pela matriz da Volkswagen para elaborar estudo sobre a colaboração da filial brasileira com a ditadura militar no país, ficou comprovada a participação da montadora de forma ativa na perseguição aos opositores do regime que foi instalado no após o golpe que retirou o presidente João Goulart do poder.
Relatos obtidos por jornalistas alemães que tiveram acesso às investigações na época revelaram que o departamento de segurança da montadora atuou como um braço da polícia política dentro da fábrica da Volkswagen. Ficou comprovado que a empresa espionou seus empregados e enviou listas para o Dops com os nomes daqueles que eram apontados como opositores ao regime militar. Muitos foram presos e torturados por meses.
Mas em 2017, o então presidente da Volkswagen América do Sul e Brasil, Pablo Di Si, admitiu que “pessoas dentro da empresa colaboraram com o regime militar entre 1964 e 1985. Ele ressaltou na época que essa colaboração não era institucionalizada, pois era praticada por alguns funcionários. O relatório do historiador alemão foi entregue ao Ministério Público Federal (MPF), onde um inquérito passou a investigar violação aos direitos humanos praticadas pela montadora. Na ocasião, a Volkswagen inaugurou uma placa “em memória a todas vítimas da ditadura militar no Brasil”.
A marca e seus modelos icônicos
Mas a história da Volkswagen também está inserida no crescimento da indústria automotiva no Brasil. Além da fábrica de São Bernardo do Campo, outras foram inauguradas ao longo dos anos: Taubaté (SP), em 1976; a unidade de motores em São Carlos (SP), em 1996; e a de São José dos Pinhais (PR), em 1999. Nos 70 anos de atividades, foram produzidos 25 milhões de veículos, sendo 4,17 milhões exportados.
Dessas fábricas da Volkswagen saíram modelos icônicos como Fusca, Kombi, Brasília, Variant, Passat, Gol, Santana, Saveiro, Golf e Polo, entre outros. O Gol foi considerado um grande fenômeno, pois, em 42 anos de produção, chegou a ser o modelo mais vendido no país por 27 anos consecutivos. Saiu de linha no fim de 2022 depois de ganhar a versão de despedida Last Edition, sendo substituído pelo Polo Track, versão “pelada” do hatch compacto.
Mas a Volkswagen também foi uma das marcas que demorou a acordar para entrar no segmento mais querido dos consumidores brasileiros: os SUVs. O primeiro modelo da marca no segmento a circular pelo país foi o Tiguan, um SUV médio importado da Alemanha a partir de 2009, com preço elevado. Somente em 2019 a montadora apresentou o T-Cross, o SUV compacto que se revelou um verdadeiro sucesso, chegando a liderar o segmento.
Vieram em seguida o SUV cupê Nivus, com boa aceitação de mercado, e o SUV médio Taos, que não conseguiu se impor, registrando baixos volumes de vendas. No segmento de picapes a Volkswagen também perdeu completamente o tempo de renovação. Seus únicos modelos, a compacta Saveiro e a média Amarok envelheceram mal e perderam espaço no mercado.
A Saveiro foi engolida pela Fiat Strada, que se tornou o modelo mais vendido no país (50.546 unidades emplacadas de janeiro a junho). E, nos últimos anos, a Volkswagen vem anunciando a reestilização de sua picape compacta, que deve chegar ao mercado ainda neste semestre. Já a Amarok, foi reestilizada lá fora e permanece a mesma no Brasil, sem perspectiva de mudanças por aqui.
O que a Volkswagen prepara para o futuro próximo?
No evento de comemoração de seus 70 anos no Brasil, a Volkswagen confirmou o ciclo de investimentos de R$ 7 bilhões na América Latina, que teve início no ano passado e se estenderá até 2026. De acordo com a montadora, até 2025 serão lançados 15 produtos, entre eles o já apresentado novo Virtus. Além dele, os “lançamentos” devem englobar as reestilizações do T-Cross, do Taos, do Nivus e da Amarok, que devem chegar em 2024.
De acordo com o segredista Marlos Ney Vidal, do site Autos Segredos, a Volkswagen prepara também um novo SUV compacto, nos padrões do Fiat Pulse, que será produzido na fábrica de Taubaté e deverá chegar ao mercado em 2025. Sobre a mesma plataforma, a VW estaria desenvolvendo ainda uma nova picape compacta, provavelmente com as dimensões de modelos intermediários como a Fiat Toro e Renault Oroch.
Mas no pacote de investimentos a Volkswagen inclui também digitalização e descarbonização. Na verdade, a marca está atrasada em relação aos modelos eletrificados no mercado brasileiro. Enquanto nos Estados Unidos e Europa a família ID de modelos elétricos conquista lugar no mercado, por aqui o processo continua lento. A marca finalmente confirmou a chegada da minivan ID.Buzz, a “Kombi elétrica”, em um lote de apenas 70 unidades, e do ID.4, SUV elétrico que estará disponível apenas para aluguel com mensalidade próxima a R$ 10 mil.
Marca ocupa a terceira posição em vendas no Brasil
Ou seja, a Volkswagen está atrasada em relação aos híbridos e elétricos e parece tratá-los como modelos de nicho, disponíveis apenas para constar no portfólio. Se a marca é a “maior produtora de automóveis do Brasil e maior exportadora do setor”, em vendas não tem alcançado a liderança de mercado. No acumulado de janeiro a junho deste ano, ocupa a terceira posição, com 14,81% de participação na soma dos segmentos de automóveis e comerciais leves, ficando atrás da Fiat (22,14%) e da General Motors (15,94%).
O modelo mais vendido da Volkswagen é o Polo, que ocupa a segunda posição no segmento de hatches compactos, com 37.722 unidades emplacadas nos seis primeiros meses do ano, perdendo para o Chevrolet Onix (44.110 unidades). O modelo da VW teve seu volume de vendas alavancado pela versão Track, que se tornou a nova opção de entrada da marca depois que o Gol saiu de linha. Já o T-Cross lidera o segmento de SUVs com 32.035 unidades emplacadas de janeiro a junho.
Portanto, a Volkswagen tem pontos positivos e negativos em sua história no Brasil. Contribuiu para o crescimento da indústria automotiva no país, mas teve uma participação condenável em momento sombrio do passado. Recentemente, suspendeu a produção nas fábricas de São José dos Pinhais (PR), São Bernardo do Campo (SP) e Taubaté (SP), sob a alegação de "estagnação do mercado", mesmo sendo beneficiada pelos incentivos concedidos pelo governo federal. Com os pátios lotados de carros, a VW precisa correr para não perder mais espaço para a concorrência.
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