Uma viagem tem sempre algo de especial, ainda mais quando ela tem por destino a Cidade Luz. Essa era a viagem de sonhos de alguns dos 216 passageiros que estavam a bordo.
A aeronave de matrícula francesa F-GZCP decolou às 22h29 do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro (Galeão), com destino ao Aeroporto Charles de Gaulle, na França.
Como em todo voo para a Europa, havia a frente intertropical a ser ultrapassada. Naquele dia, ela estava situada entre os arquipélagos de Fernando de Noronha e de Cabo Verde, na África, e havia pontos de grande intensidade.
Segundo publicado, exercia as funções de piloto voando (PF) o copiloto, estando o comandante atuando como piloto não voando (PNF). Trata-se de uma rotina muito usada quando se está preparando um copiloto para ser qualificado como comandante.
Tudo transcorria normalmente até à 1h35, quando o comandante acordou o segundo copiloto, que dormia. Depois de assistir ao briefing entre os dois copilotos, o comandante se retirou para o seu repouso. Nesse evento, o PF informou que a turbulência que havia sido ultrapassada seria mais intensa mais à frente e citava as razões de não poder mudar de nível de voo. Ao que parece, o PF não cogitava ou já não era possível efetuar um desvio para evitar turbulência mais pesada. Vale lembrar que outras aeronaves passaram pela região em horários próximos. O desvio em alta altitude e com aeronaves de grande velocidade é sempre recomendado para não estressar os passageiros.
Duelo entre homem e máquina
Quando eram 2h06m04, o PF chamou a tripulação de cabine e a instruiu sobre o aumento da turbulência, que deveria ocorrer nos próximos dois minutos. O PNF sugeriu um desvio para a esquerda, que se estabilizou em 12 graus. Como ocorreu um aumento na turbulência, a velocidade da aeronave foi reduzida para Mach 0.8. Antes, estava voando a Mach 0.82.
Os problemas maiores começaram a ocorrer às 2h10m05, quando o piloto automático e a potência automática se desconectaram. Condições que permaneceram até o fim do voo.
Como reação natural, o PF assumiu o comando da aeronave, devido ao desacoplamento do piloto automático.
Tendo girado para a direita, o PF girou a aeronave para a esquerda e aumentou o ângulo de ataque, levando a aeronave à perda de sustentação.
Seguiram-se 4 minutos e 23 segundos de uma luta entre o homem e a máquina, tendo a meteorologia para complicar.
Foram tantas as mensagens de discrepâncias enviadas pela aeronave que há quem coloque em dúvida a eficiência do sistema de comando fly-by-wire, há muito utilizado pela aviação militar. O fly-by-wire é um sistema idealizado, basicamente, para reduzir o peso da aeronave, eliminando os cabos de comando, sendo composto por computadores, que recebem as entradas por meio de fios.
Verificando o que foi publicado, em momento algum se pode afirmar que foram colocados em prática os ensinamentos do gerenciamento dos recursos de cabine, o tão treinado Cabin Resource Management / Gerenciamento dos Recursos de Cabine (CRM ) nas instruções de simulador de voo.
Também não se pode afirmar que a técnica para combater uma situação de emergência ou anormal foi empregada. Ela engloba, na ordem, a identificação da emergência ou anormalidade, o controle da aeronave e o combate da anormalidade. Em seguida, vem a decisão, a comunicação e o emprego da lista de verificação aplicável.
Quando o piloto automático e a potência automática desacoplaram, começava a se manifestar um problema maior, cujos indícios remontam ao ano de 2004. Naquele ano, a Agência Federal de Aviação dos Estados Unidos (FAA), baseada em relatos de aeronaves equipadas com um determinado tipo de sonda do pitot, fabricada pela Thales Avionics, expediu uma diretriz de aeronavegabilidade (AD), determinando ações para evitar a sua obstrução. Naturalmente que todos os operadores cumpriram as determinações contidas na AD. A aeronave tem três sondas para alimentar o sistema de indicação de sua velocidade. As sondas das posições 1 e 3 transmitem informações para o sistema do PF e para a posição reserva, e a sonda da posição 2 alimenta as informações de velocidade para o PNF. A obstrução delas gerou um lamentável acidente. Depois da ocorrência do acidente, em 8 de setembro de 2009, a agência americana expediu uma nova AD, agora determinando a substituição de todas as três sondas. As sondas de números 1 e 2 seriam de outro fabricante e a de número 2 continuou sendo da Thales Avionics, porém com um número de peça diferente.
Fundamentando, informaram que as obstruções das sondas anteriores poderiam provocar o desacoplamento do piloto automático e da potência automática, aumentando em muito a carga de trabalho do PF. As sondas do tubo de pitot, fabricadas pela Thales Avionics, que estavam sob monitoramento desde 2004; o PF sendo o copiloto e a meteorologia agressiva escreveram uma triste página na história da navegação aérea.